Há zunzum na cidade, e a culpa é da chef Marlene
Quando foi para o Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia, que tinha previsto acontecer em Março, mas teve que adiar para Julho, Marlene Vieira tinha um sonho em duplicado. Queria uma cozinha de pratos portugueses com influências do mundo, que fossem de partilha, e uma outra onde pudesse criar, como chef que é, em jeito de fine dining. Este escolheu adiar.
Mas o primeiro, o seu Zunzum Gastrobar, abriu e convenceu, ao ponto de passar a servir também almoços para além de jantares. Por ali, o que se trabalha são sabores e receituário portugueses, que se misturam ou recriam com influências que Marlene foi colhendo pelo mundo, pelos países e cozinhas por onde passou e aprendeu. Gosta de desafiar a sua composição, dar-lhe os seus toques pessoais pelo meio, ir mais longe.
A sua relação é com o produto e o sabor. E com a textura, claro, ou não fosse Marlene Vieira conhecida no meio como “a chef das texturas”. «Dizem que a minha comida tem camadas, parece que se descobrem diferentes sabores a meio da prova», ri. Sim, é essa a sua identidade: as camadas de sabores, as ditas texturas!
Para este Zunzum à beira-rio não criou pratos específicos, antes afinou ou deu pequenos ajustes a receitas já por si servidas. «Não consigo fazer sempre a mesma coisa, vou experimentando», como o ceviche de espadarte que nos chegou à mesa e que Marlene fez para um evento dos Açores há cinco anos. Foi mudando o caldo, a textura, dando-lhe outro toque e hoje o que se prova é igual na base, mas diferente no sabor. «Também tem que ver com a própria evolução da gastronomia», lembra! Já a feijoada de carabineiro – que se recomenda, muito e muito – nunca a tinha feito, é um facto. Mas concebeu-a em cima da sua feijoada de marisco, com provas dadas.
Marlene continua a afinar a carta, nas propostas e na forma como as apresenta. De resto, agora que o Inverno chega, há produtos que se recolhem e outros que se levam à mesa. Diz que quem lá vai procura pratos de partilha, que permitem experiência mais completa. De resto, foi este o conceito-base que esteve na origem deste Zunzum. E pode desde logo começar por partilhar as entradas, claro, ou experimentar a filhós de berbigão à Bulhão Pato com creme de berbigão, coentros e limão, o tal ceviche de espadarte com maracujá, a tartelete de bacalhau, ou as mini-sanduíches de rosbife. Se prefere um prato mais tradicional, também os há, como o arroz de pato, o polvo à lagareiro ou o belo bife de novilho.
Para já, adiado está então o projecto de fine dining. O restaurante está montado e tudo alinhado, mas Marlene sabe que só irá abrir quando for para ficar. Talvez para o ano! Pelo meio, vai aproveitar para amadurecer e consolidar o seu Zunzum: «Gosto muito de estar em contacto com o público, gosto da liberdade de criar pratos e este espaço permite-me isso. Ainda não é um fine dining, mas é um sítio onde consigo já praticar grande parte das técnicas e onde tenho ainda grande margem para crescer, evoluir.»
Marlene garante que este é o espaço e conceito que queria criar. Porque, ali, tudo foi também pensado para o próprio gastrobar em si, para o local, para que este se enquadrasse no projecto de design, na luz que chega do rio. Remetendo para a nossa história gastronómica, os pratos criados “fogem” do tradicional. Arrojam, num processo que se encaixa nas próprias linhas arquitectónicas assinadas por Carrilho da Graça. Sim, há zunzum na cidade, e a culpa, lá está, é da chef Marlene.
Texto de M.ª João Vieira Pinto