Quando a comunicação e a criatividade andam de mãos dadas: do preconceito à união
O sucesso das marcas depende de uma combinação de factores e a co-criação é um deles. Quem o diz é Marlene Gaspar (MG), directora da área Consume Engagement e Digital da LLYC, que aponta a co-criação como uma forma de dar vida a comunicação autêntica e genuína. Co-criação – ou colaboração – foi, aliás, o mote para uma entrevista conjunta com Rodrigo Silva Gomes (RSG), CEO da Lola Normajean.
As duas agências – uma dedicada à comunicação e a outra à criatividade – têm trabalhado lado a lado para garantir os melhores resultados possíveis para os clientes. Para Rodrigo Silva Gomes, a co-criação é um elemento-chave, levando-o a afirmar que não consegue compreender a novidade associada ao conceito. «Nós só trabalhamos assim e as marcas fortes só se constroem assim», conta.
Co-criação tem sido uma expressão muito utilizada no universo da comunicação. É este o segredo para o sucesso das marcas?
MG – O sucesso das marcas resulta de uma combinação de factores assentes/alinhados com as suas estratégias. A co-criação é um dos factores. Os avanços tecnológicos e clientes mais informados e mais criteriosos nas suas decisões estão a converter os consumidores em “directores” das suas próprias experiências e as marcas têm de estar preparadas para criarem soluções úteis e relevantes. A co-criação provou-se eficaz ao nível da comunicação autêntica e genuína, seja ela feita por parceiros, pelos colaboradores e/ou pelos consumidores. Hoje, mais do que nunca, as marcas pertencem às pessoas.
A análise da comunicação das marcas durante estes últimos tempos mostra-nos que não vale a pena pretender ser mais rápido ou mais original que os consumidores. As marcas com maior reconhecimento público na reacção que tiveram [à pandemia de COVID-19] foram as que se adaptaram às conversas que os utilizadores já́ estavam a promover e as que encontraram o ponto de ligação com o objectivo de serem relevantes. Em 2017, um estudo da LLYC concluía que 52% dos entrevistados eram da opinião que a criação conjunta dos conteúdos com os consumidores seria o formato de storytelling e storydoing do futuro. Passaram quase três anos e comprovou-se que essa tendência/crença virou realidade.
RSG – Só não consigo entender a expressão enquanto “novidade”. Nós só trabalhamos assim e as marcas fortes só se constroem assim: com uma colaboração orquestrada com maestria. Ou seja, muitos instrumentos e uma “regência” esclarecida do maestro, que é sempre o cliente. E tendo a concordar que seja um dos segredos apenas porque parece que muita gente não o aplica ou não o sabe. Não é por acaso que a obra publicitária é classificada como obra colectiva, apesar de os profissionais de publicidade insistirem muito em destacar, exaustivamente, alguns dos intervenientes nas criações como é o caso dos criativos. Eles são apenas uma parte, o planeador de meios outra, a executiva da agência de comunicação outra, o gestor de produto outra, o arte-finalista outra, o director de marketing outra, e por aí vai…
Esta co-criação implica o envolvimento dos vários parceiros. Como funciona a relação entre agência de publicidade e consultora de comunicação?
MG – As agências de publicidade e as consultoras de comunicação trabalham para um objectivo comum: alcançar resultados para a reputação e para o negócio dos seus clientes e, como em tudo, juntos somos mais fortes. A importância de construir e, especialmente, de gerir marcas com uma identidade forte, mas líquida é crítica para saber responder de forma coerente a diferentes cenários. As estratégias integradas e a comunicação 360º são muito mais poderosas e garantem maior alcance quando o earned media e o paid media apresentam coerência de mensagens.
Da nossa experiência na LLYC, a relação entre publicidade e comunicação é saudável e recomenda-se. A gestão é feita como com os restantes stakeholders com quem trabalhamos – de forma transparente e baseada em confiança. Está definido de forma clara o scope de cada um. Eu trabalhei mais de 15 anos em agências de publicidade antes de entrar na consultoria de comunicação e reconheço que havia um preconceito de parte a parte, neste trabalho conjunto. Considerava-se que as técnicas não são muito diferentes e por isso uma não precisava da outra. Tenho o privilégio de para mim isso ser só um mito urbano, essa ideia já a desmistifiquei. Por conhecer muito bem o papel de uns e dos outros, é possível perceber que trabalhar de forma alinhada e complementar aporta valor e os clientes também valorizam essa sinergia.
RSG – Faço minhas as palavras da Marlene. Somos colegas a colaborar. Mas colaboramos debaixo da batuta do cliente. Falo muito do cliente porque é verdadeiramente o líder – como em tudo – e que em última análise (e primeira…) cria as condições para que todos entreguem o melhor de si e somem uns aos outros. Desde logo num primeiro ponto importantíssimo: na garantia e defesa da margem das agências. Isto é um negócio e só se tiver garantida a margem de que preciso me sentirei confiante para somar sempre.
De que forma se complementam? Não há risco de atropelamento?
MG – Sabemos definir bem o que compete à agência de publicidade e o que compete à consultora de comunicação e, se e quando, existirem fronteiras menos definidas, esclarecemos e solucionamos de forma partilhada. A relação de confiança e transparência não causa atropelos.
RSG – … Há riscos, sim… Mas com metodologia, organização e disciplina (que me parecem ser o que está na base daquilo que a Marlene acabou de definir) não haverá. Mais uma vez, estas são questões de partida quando se começa a trabalhar clientes comuns e nas quais o papel mais importante – apetecia-me fazer aquele emoji com os braçinhos para o lado – é o do cliente enquanto líder.
No caso da Lola Normajean e da LLYC, como tem sido a experiência?
MG – A experiência tem sido muito positiva e enriquecedora. Tivemos a sorte de nos ter sido confiado um desafio pontual com a Lola Normajean e percebermos de parte a parte que poderia ser algo mais além disso e assim continuamos a relação. O Rodrigo teve uma atitude connosco que achámos curiosa ao reconhecer que tinham competência interna para fazer esse trabalho, mas não sendo o foco da Lola Normajean seria melhor entregar aos especialistas de comunicação. Ficámos surpreendidos com esse reconhecimento quando recebemos o convite, por não ser algo comum no mercado, e como correu bem, estamos muito orgulhosos da continuidade desta relação. Relação essa que é fácil, falamos a mesma linguagem, partilhamos os mesmos objectivos e construímos juntos. Cruzamo-nos com alguns clientes comuns (ex. sector automóvel) e trabalhamos activamente como parceiros com partilha de experiências e know-how.
RSG – Descreveria a relação e todas as interacções como muito naturais e fluídas. Sem esforço. Quer enquanto parceiros, quer na partilha de clientes. O cliente que nos contratar em conjunto terá um serviço fora do normal.
De que forma o contexto de pandemia e de quarentena veio evidenciar as dificuldades ou mais-valias de uma relação forte entre agência de publicidade e consultora de comunicação?
MG – Esta situação também tem mostrado que os cidadãos em geral olham para as marcas como um pilar de estabilidade nos momentos mais difíceis. Em tempos de perda generalizada de confiança como os que estamos a viver creio que a necessidade de uma relação forte foi a que se evidenciou. Tornou-se um bem precioso e necessário para (re)construir a confiança e para transmitir segurança. A comunicação é uma das ferramentas-chave que as marcas têm para serem coerentes em todos os canais de divulgação. A comunicação e a publicidade apoiarem-se permite às marcas reforçar a consonância das mensagens, reforçar a legitimidade e coerência e construir naturalmente uma narrativa da marca comum.
RSG – … Mas houve uma pandemia? A comunicação institucional teve um papel-chave na gestão da relação da marca com o consumidor. Nas agências de comunicação, sem dúvida alguma. Foi e mantém-se fundamental o seu contributo neste período. Quanto a nós, idem idem, aspas aspas. A componente institucional da comunicação publicitária não podia ter sido mais importante. Mesmo quando a recomendação do nosso departamento de estratégia foi que nada se fizesse. É que também era uma opção para algumas marcas escolher não fazer parte da conversa.
De que modo a Lola Normajean, enquanto agência criativa vê a comunicação nos media no futuro versus de que forma a LLYC, enquanto consultora de comunicação, vê as campanhas de marca no futuro?
MG – O contexto actual confirmou o que a comunicação sempre defendeu – o envolvimento das marcas com as sociedades onde operam. O exemplo de numerosas marcas que actualmente incutiram à comunicação e ao marketing uma aura de responsabilidade e sensibilidade coloca-nos mais do que nunca perante o papel social das marcas, que não competem com o dos organismos públicos, mas que os complementam e valorizam. Para as marcas que já́ estavam a trabalhar na activação do seu propósito, alcançam-no agora com maior facilidade no momento de estabelecer uma ligação com a sociedade em abordagens que transcendem a actividade comercial habitual ou as próprias capacidades económicas. A atenção que dão aos grupos mais afectados (principalmente aos idosos), em especial no caso do retalho de alimentos, também acentua uma linha de marcas mais empáticas e humanizadas, desvinculadas de certos valores corporativos que muitas vezes têm sido priorizados. Neste sentido, o envolvimento social manifesta-se de forma mais clara quando se traduz na atitude dos líderes e, especialmente, dos CEO das empresas, como figuras-chave que, com o próprio exemplo, transmitem os valores da empresa.
RSG – O que todos podemos prever neste momento é que haverá mudanças duradouras, tanto nas atitudes como nos comportamentos de todos nós. Essa nova normalidade vai criar novas necessidades, novas prioridades e novas oportunidades competitivas no seio de várias indústrias. E prevejo uma maior profundidade, principalmente, na forma como se irão construir as mensagens, os conceitos e toda a comunicação que será generalizado. Nas consultoras de comunicação e nas agências de publicidade. Igual. Somos apenas partes de um todo que talvez se tenha tornado ainda mais oleado com as dificuldades dos últimos tempos. Entre agências de publicidade, media, digitais ou comunicação e os próprios clientes. Enquanto e sempre que puder, consultarei e colaborarei com a Marlene e a LLYC.
Texto de FIlipa Almeida