O sector tem de ter maior abertura
Inspirar-se nas start-ups, acompanhar a digitalização e responder aos novos consumidores abre o sector Segurador a uma maior inovação, simplicidade, orientação para o cliente e uma melhor literacia.
Texto de TitiAna Amorim Barroso
Fotos de Pedro Simões
O modo como o cliente percepciona o sector segurador é hoje muito diferente. Para melhor responder aos anseios e antecipar as necessidades dos clientes, o sector deve ter acesso a toda a trajectória do consumidor.
O sector é já visto como uma Employer Brand? O que tem sido feito para lidar e responder a esta nova vaga de clientes criada pelo empreendedorismo? Foram algumas das muitas questões lançadas à volta da mesa do último pequeno-almoço dos Seguros, no Hotel Dom Pedro, em Lisboa.
Estiveram presentes: Ester Leotte (AdvanceCare), Rodrigo Esteves (Liberty Seguros), José Villa de Freitas (Fidelidade), Inês Simões (AXA Portugal), Alexandra Catalão (AXA Portugal) e Susana Fava (CA Vida).
Employer Branding
Como se pode transformar o sector segurador num Employer Branding? O que falta para que seja “sexy” aos olhos dos candidatos a um emprego? Quais são as empresas onde a maioria das pessoas gostava de trabalhar? Quais são as que dão credibilidade a um currículo? Quais as que servem de trampolim para uma carreira de sucesso? As marcas empregadoras mais atractivas vão sendo diferentes ao longo do nosso percurso profissional.
«Acho que a melhor forma de tornarmos o sector atractivo é mostrando que esta indústria, tal como as outras, também consegue olhar para o cliente e para as tendências de mercado. Acho que o factor menos interessante nos seguros é a ideia de que as coisas são do passado, o domínio da subscrição e das áreas técnicas, ao contrário da comunicação, da inovação, do cliente e do empreendedorismo, as partes mais “sexies” da indústria. Podemos inspirar-nos nas start-ups, estas podem tornar o sector ainda mais interessante. Assim evoluímos, não ficamos num monolitismo, parados e mobilizados», argumentam.
«Esta indústria é objectivamente “old fashion”. É muito papel, depois estas terminologias que a maioria ainda não percebe… A digitalização, os novos hábitos de consumo vão-nos empurrando obrigatoriamente para uma simplicidade cada vez maior», garantem os intervenientes.
«E isso leva-nos a um renascimento, que a indústria tem de fazer na literacia do sector e na simplificação dos produtos. Continua a existir uma imagem que não é muito positiva por parte dos clientes em relação aos contratos, às inúmeras regras… A gestão do risco está associada a um evento negativo na nossa vida, quando usamos um seguro mesmo que tenhamos um ressarcimento financeiro, não é algo que se transforme numa coisa positiva», acrescentam os especialistas.
«O sector tem de se abrir, investir cada vez mais na literacia dos consumidores, mostrar importância na democratização dos seguros, especialmente nos mais valorizados como a saúde, ou a protecção à vida, na lógica da protecção das famílias. Acho que a própria digitalização vai obrigar a simplificar o sector. Não se pode imaginar que vamos comprar seguros a vida inteira através do mediador, isto vai mudar e já aconteceu noutros mercados. A introdução de novas aplicações (apps) nos produtos vai fazer com que os clientes exijam de nós uma maior simplificação. Devemos investir na simplificação, literacia e orientação para o cliente», observam.
«A imagem que os colaboradores têm do sector é completamente diferente da imagem das pessoas de fora do sector. Mas isto é completamente trabalhável», insistem.
«Basta ver as experiências que temos com estagiários. No departamento de Comunicação e Marca, os estagiários quando entram acham que numa seguradora não se faz nada, ou pelo menos, não tanto como noutras empresas com marcas mais conhecidas e isto deve-se à imagem cinzenta que o sector tem. E saem dali com a sensação e com a certeza de que é uma indústria dinâmica, como uma outra qualquer que tenha Comunicação, Marca, Relações Públicas. Isto é uma mudança muito grande. Esta questão do Employer Branding tem duas vertentes: temos de trabalhar o sentimento de pertença, de valorização do sector, das pessoas perceberem de facto que este é um sector dinâmico», contam.
«Se calhar até temos mais capacidade de surpreender porque somos seguradoras. E depois a vertente externa de sermos um empregador de referência para a vida. Apesar disto já não ter o significado que tinha há uns anos, os miúdos hoje acabam os cursos e não querem um emprego para a vida. Nós temos de conseguir estar no sítio onde eles estão, trabalhar oferta e comunicação direccionada para estes públicos-alvo. Por exemplo, o digital é uma alavanca e estar presente num festival vai mudar a imagem dos jovens face ao sector», explicam os especialistas.
«Mas é importante ressalvar o seguinte, acho que somos cada vez mais contactados por pessoas transversais a todos os sectores, hoje atrai-se talento dos mais variados tipos de experiência, o que não era uma realidade há seis anos. Antigamente vinham simplesmente de outras companhias», lembram. «Era um mercado mais fechado», observam.
«Hoje vêm de todas os sectores: Telecomunicações, Automóvel, Banca… Também hoje o País vive uma situação diferente de há anos. E mesmo de outras áreas: de Sinistros para Marketing. Vê-se pessoas da área de Direito, Estatística, Matemática, que há uns anos iam para consultoria, hoje reconhecem no sector segurador interesse», sustentam. «A lógica do Employer Branding está focada no reconhecimento pelo público em geral, é em si um sector atractivo, reconhecido por um determinado tipo de pessoas», comentam.
«E há outra dimensão dos seguros muito importante, refiro-me à Responsabilidade Social, aquilo que de facto se faz pela sociedade e pelos clientes, não só os que pagam, mas os utilizadores. É completamente diferente a percepção e proximidade daqueles que utilizaram verdadeiramente os seguros, dos que não utilizam e só pagam, os que só pagam queixam-se mais do que aqueles que são beneficiados », defendem. «Só o facto de resolvermos tudo o que está no contrato, as pessoas já identificam como um elemento surpresa, de satisfação», contam.
«Porque as pessoas estão à espera que não corra bem e ficam surpreendidas quando isso não acontece. Tem a ver com a expectativa», confessam.
«É o mindset», comentam.
«As pessoas acham que vai correr mal, têm uma imagem cinzenta, mas depois quando entram em contacto com o seguro apercebem- se que este é um mundo diferente», salientam os intervenientes.
«Quando lemos a cobertura, primeiro risco, franquia, a própria legislação, para o comum de qualquer cliente é complicado, não é orientado para o cliente. Acho que a legislação precisava de uma “lavagem”», disparam.«Quando vou comprar, não quero alíneas», afirmam.
Deve o Employer Branding ser trabalhado logo desde o início pelas empresas? Há algum trabalho a ser feito pelas seguradoras com as universidades? Como estão a despertar este público mais jovem para os seguros?
«Trabalhamos com o Junior Achievement, uma entidade que actua na literacia financeira. É um projecto internacional que leva os profissionais dos seguros a estar em contacto com as escolas e a dar aulas, despertando os adolescentes para a importância dos seguros. E há outra iniciativa dentro do Junior Achievement, onde as empresas que se querem associar replicam o modelo. Trouxemos 50 jovens com idades entre os 15 e os 17 e lançámos o desafio de pensarem no tema prevenção e como é que nós numa seguradora podemos comunicar com aquele público em torno desta temática. Fizeram-se grupos de trabalho durante o dia – com voluntários da empresa a apoiar, tivemos um júri e foi preparado um “pitch” de apresentações para a plateia toda. A maioria escolheu falar sobre obesidade, sedentarismos, bullying e saúde, apercebemo-nos assim das preocupações dos jovens. E propuseram acções muito específicas desde parcerias, cartões, vantagens, apps, aplicativos… Trazer os jovens a ajudar-nos a repensar as coisas é muito importante. O Junior Achievement não é tanto numa lógica de gerador de ideias, isto foi só uma acção, mas numa lógica de trabalhar a iliteracia, de ensinar os jovens o que é o papel do segurado», observam.
«Já participámos no Junior Achievement e com programas muito bem estruturados, para miúdos de 7, 8 e 9 anos. Só para dar um exemplo, tivemos um jogo interactivo, com a gestão doméstica de um orçamento, era-lhes atribuída uma profissão e o salário correspondente e a partir daí tinham de tomar algumas decisões, nomeadamente do ponto de vista da deslocação, habitação. Era muito interessante, até do ponto de vista dos estudos, traçaram- -se planos de possíveis profissões para atingir determinada remuneração salarial, para ser mais elevada tinha de se estar mais tempo a estudar, se eles não quisessem e terminassem os estudos no 12.º sabiam que uma série de profissões, à partida, estaria vedada. Este jogo marcou-me», referem.
«Temos uns kits de literacia bancária, financeira e seguradora, preparados para várias idades e utilizei um desses kits na escola da minha filha na primeira classe. É engraçado que eles têm alguma percepção do dinheiro de verem os pais utilizar, sabem que os pais têm um cartão, mas não percebem muito bem como é que funciona e por que razão vale o mesmo do que o dinheiro. Mas a parte dos seseguros foi mais complicada de responder, perguntavam- me “Mas o senhor Seguro é muito rico?”, “Quem é o Seguro?”, achavam que era alguém. É um serviço complicado de percepcionar, não é um conceito muito simples e o facto de existirem vários seguros não facilita», comentam os intervenientes.
Novos clientes
O que anda o sector a fazer para lidar com esta nova vaga de empreendedores? E o que deve fazer para conseguir responder a este novo tipo de clientes? O apoio ao empreendedorismo é uma “moda”, uma necessidade ou um dever das empresas?
«É tudo. Fizemos um caminho muito simples, primeiro fomos perceber como é o sector do empreendedorismo em Portugal, é um ecossistema bastante complexo. Ao fim de um ano tenho alguma noção de como funciona, quem são os players, mas não era uma coisa tão simples assim! Até porque a maioria das grandes start-ups e os casos de sucesso de empreendedorismo em Portugal tiveram incubados em algum lado. Ou seja, aquela noção das start-ups arrancarem sozinhas, acontece muito pouco e quando acontece poucas têm sucesso. Esta geração de empreendedores aparece, porque as pessoas começaram a trabalhar para isso, é como as escolas de futebol, não se criam jogadores bons de repente, há todo um planeamento.
O que acontece hoje em dia é que é necessário muito dinheiro para arrancar com um projecto. Somos parceiros das três principais incubadoras em Portugal e fomos tentar perceber quais as necessidades destes empreendedores. Começámos por lançar uns packs de base, com o que é necessário para começarem nesta área, mas o caminho não é só olhar para eles como clientes, mas sobretudo tentar trazer para dentro da empresa o que é feito. As start-ups são excelentes provedores do cliente, como já há muita coisa instalada, basicamente o que eles fazem é ver onde há “buracos”. Isto é, onde há oportunidades de melhorar a vida do cliente. A abordagem é sempre a mesma: ver o processo e onde podemos melhorar. Vou dar um exemplo muito simples, há já start-ups a desenvolverem apps para assinar a declaração amigável, é algo mais do que necessário, preencher e enviar, é bom para quem envia e para quem recebe. E como é que foi feito? Olhou-se para a jornada do cliente, viu-se o processo e onde podíamos melhorar o trajecto», partilham.
«Há outra questão, os empreendedores precisam de muita ajuda, não percebem de seguros, têm uma ideia fantástica para uma app, mas não têm cultura de seguros, nem literacia financeira, são apenas técnicos extraordinários na sua maioria», pontificam.
«Eles não sabem como é que os seguros os podem ajudar, são muito inocentes neste processo. Se vão vender a ideia a uma universidade nos EUA ou a uma fábrica na China não sabem como é que uma seguradora os pode ajudar, na protecção de patentes», sustentam.
«Mais ou menos. Uma das grandes questões que levantam logo é a propriedade intelectual, eles muito cedo precisam de começar a vender a ideia. O grande problema é como é que eles conseguem fazê-lo sem que outros lhes roubem a ideia. Há aqui um grande caminho na defesa da propriedade intelectual», asseguram os intervenientes.
«Mas há uma série de produtos que estão excluídos. Este tipo de negócios e este tipo de pessoas o que fazem com o Multirriscos? Eles não têm uma fábrica, não têm instalações físicas, não têm uma unidade de produção. E o que fazem com os Acidentes de Trabalho? Não têm colaboradores. O software é desenvolvido em Singapura por alguém num quarto à distância, que aceitou um desafio lançado numa plataforma de uma comunidade “geek”. Sei de um caso, em que estava a ser criada uma app no momento de um tsunami e isso fez com que as pessoas envolvidas ficassem durante 15 dias sem comunicar. Isto agora é muito complexo… como é que uma seguradora pode ajudar se o código é desenvolvido na Tailândia, o controlo de qualidade é feito na Índia, a aplicação e o design nos EUA e de repente alguém em Portugal inclui no iTunes ou no Google Play uma aplicação ou software que é propriedade dele?», profetizam.
«Temos a nível mundial, um exemplo a AXA Lab em Silicon Valley, onde se desenha projectos específicos e é o tipo de experiências que é interessante mostrar. Também temos o Fundo AXA para a Investigação, já tivemos cinco investigadores portugueses apoiados com bolsas para desenvolver projectos de investigação na área da saúde. É um fundo internacional e qualquer pessoa pode concorrer », defendem.
«Há toda uma série de necessidades que surgem por parte dos empreendedores, basicamente o grande “asset” deles é o computador e a propriedade intelectual. O nosso pack inclui seguros de acidentes de trabalho independente, de saúde, de automóvel, de material informático e de viagem. Normalmente é o ponto de partida, mas vamos continuar a evoluir, a lógica até é mesmo essa, os seguros vão renascendo à medida que existem necessidades novas, porque as empresas mudam. E isto prende-se com parte da nossa conversa: a atractividade de trabalhar numa seguradora tem a ver com a capacidade de olhar para o que se está a passar e ir reagindo a isso. E não olhando para o passado como “isto são os miúdos a tratar de umas coisas, quando for uma empresa nós decidimos”. Na verdade, temos é de pensar no assunto agora, enquanto não são empresas», concluem.
Artigo publicado na edição n.º 229 de Agosto de 2015.