Responsabilidade social, sem tabus
A responsabilidade social não é uma obrigação para nenhuma empresa. Não obstante, a maioria das empresas começa a vê-la como um requisito, uma forma de devolver à sociedade. Esta foi uma das principais conclusões do terceiro pequeno-almoço da Marketeer com responsáveis da área da comunicação.
Texto de Daniel Almeida
Fotos de Paulo Alexandrino
Apesar de recente, a responsabilidade social corporativa está já profundamente enraizada na estratégia e cultura da maioria das empresas em Portugal. Mas não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma área com muitas arestas por limar e, sobretudo, muitos tons de cinzento. Desde logo, porque existem diversos modelos de abordagem: entre empresas que decidem comunicar as iniciativas e respectivos resultados a outras que preferem manter-se na sombra, passando por organizações que trabalham a área em função de índices de performance (kpi’s). Esta disparidade acaba por confundir os consumidores que, por vezes, são incapazes de distinguir uma iniciativa de responsabilidade social de uma acção com objectivos publicitários.
No terceiro pequeno-almoço debate com responsáveis de comunicação de empresas e organizações dos mais variados sectores de actividade, a Marketeer foi tentar perceber como é que o tema da responsabilidade social – e todas as áreas que orbitam à sua volta, como os patrocínios, mecenato e parcerias – tem sido tratado pelos gestores portugueses e como é que casa (ou não) com o tema do marketing social.
«A responsabilidade social, para já, ainda não é uma obrigação. Em todo o caso, a grande maioria das empresas começa a vê-la como um requisito. Porquê? Porque tem sido vista como um factor diferenciador, que acaba por ter impacto nas mais variadas áreas da empresa», explicam os participantes no debate da Marketeer. «As empresas continuam a ter que devolver à sociedade e ter um compromisso com a área envolvente onde estão. A própria sociedade exige-o cada vez mais», reiteram, acrescentando que, «com o passar do tempo, aquelas empresas que não forem capazes de incluir no seu ADN a responsabilidade social, estão condenadas ao insucesso».
O evento contou com a participação de Anabela Silva (BP), Carlos Freire (Banco Popular), Catarina Tomaz (Freeport), Filipa Prenda (CH Consulting), Francisco Viana (CGD), Gonçalo Rebelo de Almeida (Vila Galé), Inês Veloso (Randstad), Joana Garoupa (Siemens), Luís Roberto (Fundação BP), Miguel Salema Garção (CTT), Rodrigo Esteves (Liberty Seguros) e Rui Sales Rodrigues (Accenture).
Com o objectivo de se conseguir um debate mais aprofundado por parte dos participantes, ficou definido que nenhuma das ideias e opiniões seria directamente identificada no texto.
Um novo mindset
Nos últimos 15 anos, a área da responsabilidade social corporativa teve uma grande evolução no mercado português (veja caixa). Com o advento da crise financeira em 2008, a área foi sendo cada vez mais apurada, pois o decréscimo generalizado dos orçamentos obrigou as empresas a repensar o seu modelo de actuação, a estabelecer critérios mais rigorosos para a concessão deste tipo de apoios. Não obstante as dezenas de pedidos de financiamento que as empresas, sobretudo as de maior dimensão e com maior notoriedade, continuam a receber por dia, para o mais vaisso não pode ser visto apenas como responsabilidade social», referem os responsáveis.
Há ainda a vertente de marketing social, que não deve ser confundida com responsabilidade social. Neste caso, o objectivo passa, desde a primeira hora, por dar exposição à marca e reforçar a sua reputação através de iniciativas de carácter social – um exemplo pode ser a realização de uma campanha de recolha de tampas de garrafas para a doação de cadeiras de rodas. Trata-se, pois, de uma ferramenta estratégica de posicionamento, que procura um retorno imediato para a marca. «Do ponto de vista da comunicação, são coisas completamente distintas. Uma coisa é comunicar responsabilidade social, outra é o marketing social», esclarecem.
O tabu do retorno
Entre a responsabilidade social e o marketing social, a linha pode parecer, muitas vezes, ténue. E a verdade é que, em ambos os casos, o objectivo das empresas passa, de forma mais ou menos directa, por um aumento da sua reputação. A lógica é muito simples: os consumidores, hoje, estão mais sensibilizados para estas questões, até pelo contexto económico e financeiro; logo, o envolvimento das empresas neste tipo de iniciativas sociais gera valor para as suas marcas.
Porém, a maior parte das organizações tem ainda, e conforme sublinham os intervenientes no debate promovido pela Marketeer, «alguma relutância em falar sobre o retorno. Todas as organizações ganham com esta questão da responsabilidade social corporativa! Isto não deve chocar ninguém, porque naturalmente as empresas têm finalidades, que é fornecer produtos, serviços e gerar lucros.» «Todos nós, enquanto gestores e responsáveis, não nos devemos chocar em abordar este tema, e devemos reconhecer que, ao estar a desenvolver iniciativas deste género, estamos necessariamente a contribuir para o aumento da reputação da instituição onde estamos inseridos. Não tem que haver qualquer decoro em tratar a questão desta forma!», reiteram.
Comunicar ou não comunicar? Eis a questão
Um dos tópicos que gerou maior discussão no evento organizado pela Marketeer prende-se com a opção estratégica de comunicar ou não o que é feito em termos de responsabilidade social. Sendo certo que a comunicação, na maior parte dos casos, acaba por ser paga, porque, «do ponto de vista mediático, isto não é um tema sexy», notam os participantes.
E aqui levanta-se um dilema moral, mas também financeiro, para muitas das empresas. «Não creio que exista qualquer pudor em dizer que se faz. O que acho é que não se deve estar a gastar dinheiro, a comprar media, para dizer que se faz. Prefiro plantar 3000 árvores do que plantar 1000 árvores e comunicar que o fiz», afirma um dos responsáveis. Outros preferiram olhar para a questão por outro prisma: «Comprar media para comunicar pode ter esse lado comercial, mas ao mesmo tempo não deixa de sensibilizar ainda mais as pessoas para determinadas situações. Quanto mais empresas divulgarem as acções que fazem, mais visibilidade dão», não só aos projectos como também às IPSS responsáveis por esses projectos.
Há ainda o problema da percepção do público. Comunicar uma determinada iniciativa pode levar os consumidores a colocar várias questões e, no limite, a confundi-la com uma acção publicitária ou com fins comerciais. «Fazer uma campanha publicitária é um desafio maior, porque é sempre susceptível de várias interpretações: se a causa é ou não justa, a forma como é feita, porque é que foi escolhida uma instituição em detrimento de outras…», lamentam os responsáveis.
Uma das soluções para o problema poderia passar pela abordagem conjunta e concertada de várias empresas a alguns temas que, pela sua complexidade ou dimensão, exigem uma abordagem mais séria. «O grande desafio das empresas nos próximos tempos é a capacidade de interagirem e desenvolverem conjuntamente determinadas iniciativas e projectos», constatam os participantes, ressalvando que «não é fácil trabalhar em associação, porque há sempre a questão: o que é que podemos fazer em conjunto e o que é que colide em termos de negócio?».
A conclusão que saiu deste debate é essencialmente a de que, para além de assumirem diferentes modelos de abordagem, as empresas com presença no mercado português estão ainda em diferentes estágios de desenvolvimento no que toca à responsabilidade social corporativa. Algumas, as que começaram a trabalhar o tema mais cedo, têm a “casa” mais arrumada e conseguem direccionar mais facilmente os temas para as diferentes áreas, sejam elas a responsabilidade social, patrocínios, mecenato ou marketing puro e duro. Outras, nem tanto, e isso reflecte-se depois no plano de comunicação. «A comunicação deve ser utilizada ao serviço dos objectivos. Se os objectivos forem claros e puros, por que não comunicar aquilo que de bem se faz? Se a própria campanha ajudar, de alguma forma, a sensibilizar a opinião pública, todos os stakeholders, por que não comunicar? Antigamente dizia-se que as organizações viviam de pessoas. Hoje, vivem de pessoas e de comunicação. E, portanto, a comunicação tem de andar de braço dado com a área da responsabilidade social e da cidadania empresarial», concluem.
Artigo publicado na edição n.º 225 de Abril de 2015.