«Temos que falar sobre o nosso papel na sociedade»

O terceiro pequeno-almoço da Marketeer com responsáveis de empresas farmacêuticas foi dedicado aos temas da reputação e restrições à comunicação das marcas.

Texto de Daniel Almeida

Fotos de Paulo Alexandrino

A reputação das empresas farmacêuticas tem melhorado gradualmente nos últimos anos, em virtude do trabalho de comunicação que as companhias têm trilhado de uma forma individual, sobretudo as que actuam na área dos medicamentos não sujeitos a receita médica (OTC, na sigla original em inglês). Ou seja, os únicos que podem ser comunicados junto do público em geral, isto é, fora da comunidade dos profissionais de saúde.

Não obstante, esse esforço parece não estar a produzir o mesmo efeito sobre a imagem do sector, cujos níveis de notoriedade continuam baixos. Como tal, é preciso que as empresas actuem em conjunto com as associações do sector, nomeadamente com a Apifarma – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica e a Markinfar – Associação Portuguesa de Marketing Farmacêutico, no sentido de criar uma estratégia de comunicação concertada. Essa estratégia deverá incidir sobre o papel que a indústria farmacêutica tem desempenhado ao nível da investigação e o seu impacto sobre a saúde da população mundial.

Há um trabalho de fundo por fazer: «Nos últimos anos, a Apifarma continuou a ter o mesmo papel e as empresas é que começaram a ter as suas agências de comunicação, a trabalhar a sua comunicação e notoriedade de forma diferente, isso é muito evidente, por exemplo, no caso dos genéricos. Mas a associação continua a ser muito discreta. A imagem melhorou, mas ainda não se comunica». Esta foi uma das principais conclusões do terceiro pequeno- almoço debate da Marketeer com responsáveis de marketing de empresas do sector farmacêutico, que decorreu no mês passado no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa.

O ciclo de pequenos-almoços da Marketeer visa criar, pela primeira vez no mercado nacional, um fórum independente onde possam ser debatidos temas transversais aos diferentes players do sector farmacêutico, e à sua indústria em geral. Com uma periodicidade trimestral, um grupo restrito (e não necessariamente fixo) de profissionais do sector irá discutir dois a três temas pertinentes em cada sessão. O objectivo passa por fazer incidir alguma luz sobre um sector cujas práticas e modo de actuação são desconhecidos da maior parte do público.

O terceiro pequeno-almoço foi dedicado aos temas da reputação e restrições à comunicação das empresas farmacêuticas, tendo contado com a participação de Dina Heliodoro (Johnson & Johnson), Filipe Novais (Astellas), Manuel Correia (Bial), Pedro Pêra (Actavis), Rui Rijo Ferreira (Jaba Recordati) e Sónia Schalk (MSD).

Com o objectivo de se conseguir um debate mais aprofundado por parte dos diferentes participantes, ficou definido que nenhuma das ideias e opiniões seria directamente identificada no texto.

Como reabilitar a reputação?

O paradigma da comunicação está a mudar em quase todos os sectores, muito por culpa da internet e dos meios digitais, mas no caso das empresas farmacêuticas a mudança torna-se ainda mais premente. Até há pouco tempo, as companhias farmacêuticas centravam as suas atenções nos profissionais de saúde, a quem é prestado um serviço de informação médica, relegando para segundo plano o consumidor final, em muitos casos deixado mesmo de fora da esfera da comunicação. Esta situação permitiu que a reputação do sector se fosse deteriorando.

A má reputação «tem muito que ver com a ignorância [do público], que foi cultivada por nós. Fazemos muita coisa e pouco ou nada comunicamos. Nunca tivemos necessidade de comunicar nada, mas hoje em dia temos. Falta-nos alguma ousadia, em termos de mostrar um pouco mais do que fazemos», afirmam os responsáveis presentes no pequeno- almoço da Marketeer. «A ideia de que a indústria é muito rica e os medicamentos muito caros também tem prejudicado a imagem do sector», continuam.

Feito o diagnóstico, como é que se pode inverter esta situação? Para além do investimento que tem sido dedicado pelas empresas à comunicação dos medicamentos não sujeitos a receita médica, é necessário, na opinião destes profissionais, ir mais longe e criar uma estratégia de comunicação concertada e focada no papel que a indústria farmacêutica tem desempenhado ao nível da investigação. «O público nunca vai aceitar que alguem faça dinheiro com as suas doenças, e não vê, por outro lado, que a esperança média de vida que hoje a sociedade tem muito se deve à indústria farmacêutica, que tem tido a capacidade de transformar a investigação básica em algo de concreto e prático para a população. Mas isso é algo que não temos comunicado», reconhecem os responsáveis.

Outros caminhos – alternativo ou complementar – para a reabilitação da imagem do sector pode passar pelo apoio a eventos, relacionados com a área da saúde, mas não só. Um trabalho de fundo semelhante ao que tem sido levado a cabo, por exemplo, pela banca e pelas empresas seguradoras, dois sectores que foram abandonando o conservadorismo e estão hoje presentes em áreas como a música, a cultura ou o desporto.

Restrições «não fazem sentido»

Apesar de todos concordarem que é necessário que as empresas farmacêuticas comuniquem mais com os seus públicos-alvo, os participantes no pequeno-almoço da Marketeer reconhecem que existem algumas restrições internas e externas à comunicação das companhias.

Por um lado, as empresas, de um modo geral, destinam tradicionalmente uma maior fatia do orçamento global em comunicação à promoção dos produtos em detrimento da parte institucional – apesar da lei ser muito mais restritiva no primeiro caso. Para além disso, quando os medicamentos não sujeitos a receita médica são comunicados junto do público em geral, não há – com raras excepções – a associação à empresa que o fabrica, porque «as pessoas não conhecem a empresa », explicam os responsáveis. «Para o consumidor, cada marca vale por si, e muitas das vezes o nome da empresa – e até pode ser uma empresa com grande notoriedade e muita investigação – não acrescenta valor à marca, e então temos que focar-nos em construir marca a marca», reiteram.

Mais preocupantes são as restrições ao nível regulamentar. No mercado português, as companhias farmacêuticas devem respeitar as restrições oficiais do Ministério da Saúde – responsável pela Lei da Publicidade, que determina, por exemplo, que as empresas podem fazer publicidade a medicamentos não sujeitos a receita médica, desde que não incentivem o seu consumo – e o código deontológico da Apifarma.

Ao nível europeu, impõe-se o código deontológico da EFPIA – European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations, que acaba por ser «mais restritivo» que o código português e que o Estatuto do Medicamento em Portugal.

No mês de Julho, a EFPIA introduziu novas regras que determinam, por exemplo, a proibição de entregar produtos de merchandising (como uma caneta ou um bloco de notas) com o nome das empresas aos profissionais de saúde. Restrições essas que «não fazem sentido da forma que estão», criticam os responsáveis.

Em comparação, o modelo norte-americano é completamente aberto – um antipsicótico pode ser comunicado como um OTC, dentro da regulamentação da FDA (Food and Drugs Administration) e é feito o incentivo ao consumo. De acordo com os profissionais ouvidos pela Marketeer, o ideal seria «haver um meio termo» entre os modelos americano e europeu. «Temos que conseguir em conjunto com as autoridades – o Infarmed, as associações, a Ordem dos Médicos e a dos Farmacêuticos – criar meios de comunicação assertivos », defendem.

Artigo publicado na edição n.º 217 de Agosto de 2014.

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