Quantidade e qualidade: o desafio do nosso Turismo

Opinião
Marketeer
26/06/2025
10:45
Opinião
Marketeer
26/06/2025
10:45
Partilhar

Opinião de Timóteo Gonçalves, consultor.

Acredito que estes tempos de enorme sucesso do “destino Portugal”, nos convocam a uma reflexão profunda acerca do turismo que pretendemos ter num futuro próximo.

As análises quantitativas, com resultados expressivamente positivos, relegam, muitas vezes, para segundo plano, os aspectos qualitativos.

Do meu ponto de vista,  este é o atual status quo do turismo em Portugal que bate recordes atrás de recordes, mas que começa a apresentar fragilidades que colocam em evidência algumas dissonâncias entre quantidade e qualidade.

O produto que disponibilizamos tem vindo a melhorar de forma expressiva e contínua, tanto ao nível da qualidade como da diversidade, em alojamentos, restauração, animação e serviços complementares.

Afirmar que o “destino Portugal” tem qualidade, é uma verdade incontestável.

Nos início dos anos noventa, ouvi dum destacado hoteleiro português: “temos qualidade excessiva! ”, no sentido de que oferecíamos um produto turístico de qualidade, mas a um preço inferior ao desejado e até merecido.

Hoje, até podemos admitir que, em muitos casos, cobramos um preço adequado às infraestruturas disponibilizadas mas, muitas vezes,  superior ao serviço prestado.

Temos assim, uma importante fragilidade que decorre da falta de mão de obra especializada que possa corresponder ao contínuo aumento de procura. A tutela e os empresários identificaram o problema e têm vindo a tomar medidas corretivas que, a médio prazo, acabarão por atalhar esta importante e fundamental questão.

A nossa promoção turística acompanhou a evolução do nosso produto, modernizou-se, incorporou valências experienciais que vão muito para além do “sol e praia” e, com isso, passou a impactar um público bem distinto daquele que tradicionalmente nos visitava.

Este facto aliado a ligações aéreas cada vez mais longas, permitiu-nos atrair um consumidor intercontinental de elevado poder aquisitivo e maior nível de exigência. Todavia, também é verdade que o evidente rejuvenescimento do “nosso turista”, nos canaliza consumidores de menor poder aquisitivo, maior foco na animação e entertenimento, que aceita e procura alojamentos “menos formais” e privilegia a auto mobilidade ou os transportes públicos.

A questão é que este “turista” que usa de alguma criatividade e até irreverência na forma como se aloja; que se diverte sem ter em conta o incómodo que possa estar a causar; que se abastece em supermercados; que simula desconhecer, por exemplo, regras básicas de mobilidade, como possa ser o estacionamento do seu rent-a-car, começa a provocar um sentimento de animosidade por parte das populações sujeitas a maior pressão turística.

A acertada politica de captação de novas rotas e novas companhias aéreas, com base em apoios e subsidios, deu resultados evidentes quanto à diversidade das origens e à quantidade de passageirios transportados.

Para que não existam dúvidas, na minha opinião, foram corretas as decisões estrategicamente tomadas de rejuvenescimento do nosso turista, de aposta numa promoção mais assente no digital e de captação de novas rotas-companhias aéreas. Estas decisões aliadas à percepção de segurança, de tolerância e de simpatia no acolhimento, tiveram como resultado, o inegável e fundamental contributo do turismo para a economia nacional.

Todavia, devemos assumir que a crescente dependência de companhias Low Cost com politicas tarifárias muitíssimo agressivas, implicam a captação duma franja de turistas com poder aquisitivo muito limitado e que, por vezes, pelos seus comportamentos, em nada contribuem para uma pacífica convivência, como sempre foi nossa tradição, entre residentes e visitantes. Serão seguramente uma minoria, mas nem que sejam apenas 10% do total, em números tão expressivos, não podem ser ignorados ou desvalorizados, tanto em Lisboa como no Porto, no Algarve ou Madeira.

Abaixo apresento os números de passageiros desembarcados nos nossos principais aeroportos, em 2024,  divididos entre Companhias Tradicionais e Low Cost, bem como os nomes das quatro primeiras companhias aéreas em cada aeroporto e respectivos números de passageiros desembarcados.

 

Lisboa               Porto               Faro              Funchal       Açores(ANA)

Tradicionais(Legacy) 24.202.671     5.285.373      1.671.121      2.354.602     2.459.769

Low Costs                   10.684.372    10.416.382     7.900.936      2.235.065         262.563

Lisboa: TAP ( 15.458.151)   EasyJet ( 4.049.849)   Ryanair ( 3.906.974)  Vueling ( 973.480)

Porto : Ryanair ( 5.573.506)  EasyJet ( 3.061.055)   TAP ( 1.746.000)  Transavia Fr ( 785.743)

Faro : Ryanair ( 3.332.273)  EasyJet ( 1.839.546)   Jet2.com ( 1.042.826)  Transavia ( 634.793)

Funchal: EasyJet ( 1.145.676)  TAP ( 963.977)  Ryanair ( 519.400)  Wizz Air (279.917)

Açores(ANA) : Azores Airlines ( 1.256.297) SATA ( 693.646) TAP ( 367.048) Ryanair (262.563)

 

Fonte: Ana Aeroportos

Estes dados e outros também disponibilizados pela ANA Aeroportos, sustentam a presente reflexão.

Compreendo que as soluções são complexas mas, provavelmente, teremos de encontrar formas de alocar os apoiois com maior equidade, não privilegiando as Companhias Low Cost e destacando as companhias aéreas cujo perfil de cliente pode melhor servir a nossa estratégia global. Tarefa complexa e difícil mas que ,a meu ver, deverá ser encetada tão brevemente quanto possível.

Se as companhias Low Cost tiverem o seu core business no transporte de passageiros e não na captação ativa e até muito agressiva de subsídios e apoios, terão de adequar as suas tarifas, ajudando assim a selecionar na origem,  o turista que acolhemos.

Por outro lado, aplicar parte da taxa turística cobrada pelas Autarquias, na manutenção ou criação de infraestruturas que visivelmente contribuam para a qualidade de vida das populações, poderá criar uma percepção positiva da influência do turismo nas nossas vidas.

Aprofundar na promoção turística uma abordagem séria e respeitadora das diversas expressões artistícas que não sómente a Cultura enquanto entertenimento; destacar a defesa do Património natural e edificado; valorizar as nossas tradições mais autênticas e ancestrais em sã convivência com uma sociedade moderna e cosmopolita; afirmar a nossa raíz oceânica e marinheira; continuar a valorizar o Enoturismo,  na minha opinião, contribuirá para captarmos a atenção de consumidores mais conscientes e respeitadores.

A fiscalização é fundamental e deve ser rigorosa. Não sómente com os turistas prevaricadores mas também junto de fornecedores de serviços que “surfam a onda” e, sem refletir, promovem produtos e sugerem atividades que incentivam um turismo algo caótico e por vezes até selvagem.

Sendo objetivo, deixo alguns exemplos : aluguer de viaturas com tenda incorporada no tejadilho, com sugestões de “passar a noite” em locais onde o campismo não é autorizado; passeios de bicicleta, em longas filas, no meio do intenso trânsito citadino ; Tuc Tucs de todas as cores e feitios com motoristas que nada sabem da nossa história mas que a “inventam” em cada esquina de forma muito criativa; Influencers que previlegiam a exclusividade do “spot” promovido, sem atender a questões ambientais e  até de segurança etc etc

O desafio é grande e é de todos. Estarmos neste patamar foi tarefa árdua e notável. Aproveitar a quantidade para continuar a elevar a qualidade do nosso turismo e também do turista que nos visita, exige humildade, espirito construtivo e firmeza na aplicação das medidas que venham a ser identificadas como fundamentais.


Notícias Relacionadas

Ver Mais