Quando um restaurante convida a respirar

Esqueça tudo. A dimensão é outra. Não a do espaço em si ou das salas. Não. O que eleva o Epur é a cozinha, o chef, o pormenor e a luz. Que chega do Rio e se espalha, convidando a respirar devagar. Porque, aqui – naquele que é das mais recentes pérolas da alta cozinha em Portugal –, o ritmo é esse. Sem pressa ou com o jeito dos dias.

Texto de M.ª João Vieira Pinto

Fotos de Luís Ferraz

Vincent Farges, o chef que há três anos saiu da Fortaleza do Guincho em direcção a Barbados, sabia que haveria de regressar para erguer um projecto assim. Com pormenores e ao pormenor. E em que a carta se molda aos ingredientes frescos que lhe chegam à cozinha.

Teresa Grilo é quem recebe com calma e o espírito de quem sabe como cada cliente gosta de ser tratado. É ela quem nos conduz à mesa, na segunda sala do EPUR – tem três, num total de 32 lugares sentados, sendo uma delas privada – com vista directa para a baixa de Lisboa e o Tejo. O mobiliário é sóbrio, nórdico; a loiça, branca, toda ela escolhida por Vincent Farges e comprada em Limoges; os guardanapos são Celso de Lemos. Sim, por esta altura o batimento cardíaco já começou a baixar e apetece ficar.

O chef, que prefere resguardar-se na cozinha até final da refeição, prepara-nos o Menu Epurismo de quatro momentos, com wine pairing. Há ainda um de seis e um de oito momentos, sendo que todos eles vão variando em função dos frescos do dia! Sem ementa fixa. «Aqui é a cozinha que se adapta aos produtos existentes e não o contrário. Quero trabalhar com a sazonalidade, ter produtos de época e sempre que possível portugueses», declara.

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Ivo Peralta, que Vincent foi buscar ao Fortaleza do Guincho, mima-nos com o primeiro pairing, um Hibernus Brut Premier da Bairrada, espumante mais leve e cítrico que casa com a amuse-bouche preparada. Nem mais que pargo marinado em lima, salsa verde, consomé de Geranium Rosat e gengibre. O equilíbrio e a frescura do prato, em que todos os sabores se destacam sem atropelos, começa a ajudar a perceber o porquê do nome. Não espere encontrar por aqui muitas espumas, reduções e outras tendências da nova cozinha. O que Vincent quer é enaltecer o sabor. Trabalhar a pureza de cada ingrediente, sem estragar. E isso percebe-se bem em toda a viagem – de algumas horas que não se sentem – no Epur. Aliás, o chef que há três anos partiu com a certeza de voltar não esconde que, aqui, trabalha-se a arte de depurar. Na cozinha, na sala, no prato! Respirámos, provámos e confirmámos tudo isso.

Depois do mimo inicial, chega o couvert em forma de três pães feitos na própria cozinha do EPUR – de trigo, centeio e um terceiro sem glúten com trigo sarraceno e aveia – que acompanham com manteiga Rainha do Pico e azeite Noval. Todos diferentes, mas todos iguais na leveza e no sabor.

Novo aplauso e “hummm” prolongado para a entrada de lírio marinado, em azeite flor de sal, e pimento Espelette, legumes acidulados e gaspacho de pepino e shiso. Mantiveram-se os sabores leves e frescos, com o lírio a destacar-se e a ganhar ainda mais vida com o Adega Mãe Viozinho 2015, servido por Ivo.

Neste menu de quatro momentos, chega então o prato de peixe. No dia que dedicamos ao Epur, ou o Epur a nós, Vincent Farges surpreendeu com um rascasso braseado, fricassé de girolles e ervilhas lágrima, servido com jus de braisage das cabeças. O rascasso, por si, já é um peixe delicado, de carne muito branca e firme, um pouco à semelhança do tamboril mas com sabor mais pronunciado. Isso mesmo se percebeu na combinação desenhada por Vincent Farges e que Ivo Peralta enalteceu com o Conciso Niepoort 2015, com Bical, Malvasia e Encruzado, para ajudar a limpar o palato. À altura.

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O prato de carne que se seguiria haveria de ser bochecha de novilho maronês. Mas como há uns bons anos que deixei a carne vermelha de lado, o chef – mesmo avisado na hora – concedeu-me um pargo braseado, acompanhado de refogado de favas, azeitonas e tomate confitado, mais funcho em calda de legumes e anisados, servido com cevadinha com sames de bacalhau e coentros. Duas boas surpresas: a começar no pargo, aqui já bem longe dos sabores leves dos peixes do início da refeição, mas a compor estômago e palato; e a cevadinha, numa combinação que para mim seria improvável. E a continuar no vinho, Messias Clássico 2012.

E nova surpresa chegaria de seguida, na pré-sobremesa: um cremoso de chicória, com mousse de aipo rama e gelado de matcha que a simpática pasteleira Rita fez acompanhar de uma madalena ímpar, a lembrar tempos idos! Já a sobremesa em si é nova ode para os amantes de cacau. Nem mais que chocolate Weiss 72%, gel de Chartreuse, gelado de zimbro, telha de chocolate e grué de cacau e pinhão, servido com vinho Villa Oeiras, Carcavelos.

E para os mais gulosos, a acompanhar o café há um incrível butter crunch (duas camadas de chocolate Weiss, caramelo e flor de sal e amendoim no topo), fruta (no dia, calamansi e morangos) e ganache de Laphroaig (whiskey escocês fumado e toranja confitada). Esqueça a dieta e nem perca tempo a contar calorias. Vale tão, mas tão a pena…

Vincent Farges tinha avisado que iria fazer «uma cozinha simples, mas sofisticada», minimalista e sem excessos. «Tudo o que está no prato tem uma razão de ser. É uma cozinha que faz sentido» e onde se cruzam inspirações das suas diferentes vivências, entre França, Portugal ou Barbados. Porque, para o chef Vincent Farges, o mais importante continua a ser as emoções: «Para mim cozinhar é um prazer, é uma partilha», confirma. O prazer foi nosso, chef!

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