“O segredo é ter empatia”: A força (poderosa) do pão de Rio Maior está na liderança feminina, na equipa unida e no sabor artesanal

NotíciasEntrevista
Marta Ferreira
18/06/2025
09:30
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18/06/2025
09:30
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Nasceu em 1990 quando Joaquim Costa iniciou o fabrico de uma exclusiva receita de um pão caseiro cozido a lenha em fornos de alvenaria para fornecer duas churrasqueiras, também negócios seus, com a esposa Rita, na localidade de Rio Maior. O pão tornou-se famoso pela sua côdea estaladiça e interior macio e saboroso, tendo sido o primeiro pão tradicional certificado em Portugal, sendo hoje reconhecido como um produto tipicamente português.

A panificadora fundada por Joaquim Costa e a sua mulher Rita Ferreira renasce agora com uma identidade renovada e uma visão orientada para o futuro, e a Marketeer foi conhecer ‘os cantos à casa’ pela mão de Deborah Barbosa, CEO da C&F – Pão de Rio Maior, que abriu as portas da fábrica e deu a conhecer a história da panificadora que cumpre este ano 35 anos.

Natural de Minas Gerais, no Brasil, e com um percurso de duas décadas na empresa, Deborah conhece como poucos a ‘alma da casa’. Começou por baixo, no “chão de fábrica”, onde tudo acontece, desde a confecção à congelação do pão em azoto para seguir para os pontos de venda nas melhores condições de consumo.

“Se eu não tivesse passado pela gestão de fábrica, qualidade ou segurança, teria muito menos empatia com as dificuldades de quem está no terreno”.

Ao longo do seu percurso pela empresa, aprendeu a fazer de tudo, conhecendo cada detalhe do processo, e teve na fundadora, a “Dona Rita”, um exemplo de liderança forte e empática que seguiu e fala com orgulho.

Enquanto mulher em posição de liderança, Déborah não hesita em reconhecer os obstáculos, mas também as conquistas: “No início da minha carreira, senti mais barreiras por ser brasileira do que por ser mulher. Mas acredito que os estigmas quebram-se a falar e a mostrar trabalho. A mulher pode tudo. Temos uma liderança mais suave e transformadora, se assim o quisermos.”

Chegou a Portugal aos 24 anos, formada em engenharia civil, e hoje com 44, Deborah já passou por cá quase tanto tempo como no país onde nasceu. O sotaque brasileiro pouco se nota e é de sorriso no rosto que nos mostra a fábrica que a viu tornar-se líder.

A formação em engenharia civil trouxe-lhe disciplina e rigor, mas a capacidade de liderança foi construída com as pessoas: “A minha formação não condicionou o futuro. Pelo contrário, acrescentou camadas. O segredo para lidar com pessoas é ter empatia e falar com transparência.”

Para Deborah, a melhor liderança é a que se faz pelo exemplo e é assim que procura gerir a panificadora, ao mesmo tempo que procura proximidade com os trabalhadores e ouvi-los para que todos estejam felizes. Não só os trabalhadores, mas também “os parceiros, todos os stakeholders, a nossa comunidade, as entidades públicas”, devem, na sua perspectiva, estar satisfeitos.

“Queremos que a nossa atividade tenha essa motivação para que as pessoas reconheçam-nos como uma empresa onde as pessoas são felizes”. 

Um legado artesanal que resiste à escala industrial

Aquecer o forno, aspirar as cinzas, colocar a massa e, finalmente, retirar o pão mais conhecido do país: o pão de Rio Maior. A mecânica parece simples se for assim resumida, mas apesar das 50 toneladas de pão confeccionado diariamente na Panificadora Costa & Ferreira, agora com uma nova identidade – C&F Pão de Rio Maior -, numa escala industrial, muitos dos processos são feitos à mão, desde o criar a forma perfeita para ir ao forno, ao rigor dos testes de qualidade do produto a cada turno.

O processo de produção do pão de Rio Maior junta o industrial ao artesanal numa fusão que combina as características de fazer pão com o toque humano e a rapidez que as grandes máquinas conferem à fábrica.

Esse é o nosso desafio diário, é dar escala a uma produção artesanal“, revela à Marketeer Deborah Barbosa.

Tudo tem de estar bem oleado, as equipas coordenadas e alinhadas para que nada falhe. Mas como garantir isto? Como garantir a união e processos bem oleados numa fábrica desta dimensão?

Com uma estrutura que envolve cerca de 250 colaboradores e opera 24 horas por dia, cinco dias por semana, a Panificadora C&F mantém métodos de produção tradicional, como a fermentação natural da massa-mãe durante sete dias. Para isso, contam com o apoio do Instituto Kaizen, parceiro estratégico para a melhoria contínua da gestão de processos, mas não só.

 

A alma da panificadora está também na forma como se organizam as pessoas que nela trabalham

Uma das estratégias passa também pela gestão dos trabalhadores e de como operam. Cada um deles deve saber fazer tudo, garantindo que todos estão operacionais para substituir quem for necessário.

Outra regra é de que as chefias fabris devem ser compostas por uma mulher e um homem e, desta dupla, tem de haver multiculturalidade, ou seja, um elemento deve ter origem nacional e outro ser de outra etnia. O objetivo é de que as características femininas e masculinas se equilibrem e que todos os trabalhadores tenham as mesmas oportunidades independentemente da sua origem, não fosse Deborah Barbosa, CEO da C&F, uma mulher que subiu à liderança a pulso ao longo de 20 anos nesta empresa.

Inovação com ADN 100% nacional

Apesar do respeito pela tradição, a C&F tem apostado fortemente em inovação, especialmente nos últimos cinco anos. “Tivemos uma grande aceleração no desenvolvimento de novos produtos”, explica Deborah, apontando exemplos como o pão de maçã e canela — desenvolvido em parceria com a indústria de sumo de maçã da região de Alcobaça — e o pão de forma com queijo da ilha de São Miguel, mantendo forte a ligação aos produtos tradicionais e mais característicos portugueses. Deborah destaca ainda o pão de forma brioche com chocolate, cozido a lenha e feito com ingredientes 100% naturais e baixo valor calórico, vendido no Lidl, ou ainda o pão de grão germinado que está para breve.

“É uma área completamente nova do ponto de vista da digestibilidade e bem-estar. Um produto muito bem conseguido”, conta sobre o produto que estará disponível no mercado em breve.

A resposta tem sido positiva. “As pessoas acolhem bem as nossas inovações porque sabem que o nosso ADN é artesanal”, refere.

Rebranding: uma nova imagem com o mesmo sabor

Para reforçar o posicionamento da marca e apoiar os planos de internacionalização, a empresa avançou recentemente com um rebranding. O nome “Panificadora Costa & Feira” deu lugar à sigla “C&F”, numa identidade gráfica mais neutra, mas sem perder os elementos simbólicos do campo e da mão que molda o pão. “Foi uma transição suave para que o público português conseguisse continuar a reconhecer o pão de Rio Maior, mas conhecesse também a C&F”, afirma Deborah.

O processo contou com a participação ativa de colaboradores internos: “As pessoas, internamente, tinham de se identificar com a nova imagem. Trabalhámos com uma equipa multidisciplinar para chegar ao melhor resultado possível.”

O pão de Rio Maior foi o primeiro pão tradicional certificado em Portugal. Esta certificação foi, segundo Deborah, “uma formalização de um processo” que garante que o produto continuará a ser feito da mesma forma que há 35 anos. “A certificação implica maior rigor e controlo. Ter a certificação para nós era importante para salvaguardar que o processo se mantinha fiel ao longo dos anos. E isto foi um passo importante para formalizar tudo aquilo que estava, em termos de processo, na cabeça dos fundadores,”, sublinha a CEO garantindo que o objetivo é mantê-la ao longo do percurso da empresa.

Portugal no mapa com o pão artesanal

O caminho da C&F aponta agora para uma presença mais sólida nos mercados internacionais, mais concretamente no mercado europeu. “Queremos que o pão português seja mais um embaixador de Portugal fora de portas”, afirma Deborah. Com uma estratégia orientada para a grande distribuição europeia, a empresa quer posicionar-se ao lado de outras referências nacionais como o pastel de nata, o azeite ou o vinho do Porto.

Mas no centro de tudo continua a estar o produto — e as pessoas que o tornam possível.

“Eu gosto de ir ao chão de fábrica, gosto de voltar à minha origem, quando comecei. Estar presente é importante, mas também é essencial ter uma equipa forte. Eu estou aqui numa posição de servir as minhas pessoas para que elas tenham condições de brilhar”, conclui.

O poder das redes sociais próximas e “transparentes”

Em tempos de reinvenção digital e desafios inesperados, a Costa & Ferreira (C&F) continua a moldar o seu percurso com transparência, proximidade e inovação. Na liderança, Deborah Barbosa personifica a resiliência e a visão que marcam esta nova fase da marca. Questionada sobre o papel das redes sociais na comunicação atual da C&F, a líder é clara: “Estar nas redes sociais é estarmos mais próximos, porque estamos à distância de um telemóvel do nosso consumidor”.

A CEO sublinha que esta proximidade não é apenas estética ou publicitária, mas essencialmente autêntica: “Costumamos dizer – e muitas imagens que estão nas nossas redes sociais são feitas por nós – que partilhamos o nosso pequeno-almoço. Achamos um contexto interessante, fotografamos e partilhamos”.

A estratégia é, além de comunicacional, profundamente cultural. “Se os nossos colaboradores forem nossos consumidores, nós temos um público fiel”, aponta. E acrescenta: “Queremos que as nossas redes sociais sejam transparentes para os nossos consumidores e que eles se reconheçam quando veem um produto e tenham vontade de o consumir.”

A reinvenção após o incêndio de 2024

O incêndio que abalou a empresa em 2024 foi, segundo Déborah, um momento de viragem. Naquele início de tarde de 2024, as chamas ameaçaram mais do que paredes: quase consumiram décadas de história. Mas foi ali, entre o fumo e a união, que a C&F se redefiniu.

“Desde o primeiro momento, ainda durante o combate, o ponto assente era que a Costa & Ferreira não ia parar”, recorda. “Montámos um gabinete de crise no dia seguinte, equipas multidisciplinares, e retomámos parte da produção em menos de uma semana. Em 40 dias, a produção estava praticamente a 100%”, conta Deborah.

O episódio apesar de desafiante uniu a equipa. “Foi um apoio mútuo. Todas as pessoas uniram-se. Não foi só uma pessoa. Foi mesmo uma união geral. E tinha que ser, para que as coisas funcionassem”. Emocionada, Deborah reconhece que “a equipa tornou este desafio muito menos pesado do que poderia ter sido” e foi assim que conseguiram dar a volta.

“A equipa tornou este desafio muito menos pesado do que poderia ter sido.”

Aos consumidores, um agradecimento e um convite: “Gostava de dizer aos nossos consumidores que o nosso produto está comprometido com eles. Pode ser naturalmente imperfeito, mas todo o sabor, o ponto maior, vai continuar lá, como sempre esteve nestes 35 anos”, conclui.

E se o pão de Rio Maior continua a sair do forno com o mesmo sabor, é porque há mãos que nunca deixaram de acreditar no seu poder.


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