Opinião de André Sentieiro, Creative Director Tangity Portugal
O que acontece em Cannes nunca fica em Cannes. E ainda bem. O mundo da criatividade está sempre com um olho posto no que por lá se passa – durante o Festival Internacional de Criatividade -, não só pelos prémios, mas pelos sinais que nos ajudam a perceber para onde caminha a indústria.
Todos os anos há aquela curiosidade: quais foram os temas mais falados? Que campanhas brilharam? Que tendências se afirmaram? E este ano não foi exceção.
Mas comecemos pelo que nos é mais próximo: Portugal trouxe prémios para casa, e isso, por si só, já é um excelente insight para a nossa comunidade criativa. Parabéns à Uzina, que se destacou com cinco Leões, incluindo dois de ouro. Uma agência independente portuguesa a brilhar em Cannes é sempre motivo de orgulho, e sabemos que o caminho é tudo menos fácil. Parabéns também a todas as outras agências e criativos distinguidos e, claro, à dupla Beatriz Roque e João Bronze, uma das vencedoras dos Tangity Young Lions Portugal, que conquistou um Bronze na categoria “Filme” da competição internacional Young Lions, uma das mais difíceis de vencer. Brutal!!
Este foi também o ano do Brasil, que voltou a mostrar porque é uma potência criativa mundial, com quase 100 Leões conquistados.
Outro ponto alto foi a presença cada vez mais relevante dos Creatores. Os criadores de conteúdo, que antes orbitavam à volta do festival, agora fazem parte. A linha entre criativo e criador está cada vez mais ténue. E isso é bom. É sinal de que a criatividade está a expandir-se para novos territórios.
Se em 2024 a Inteligência Artificial dominou os discursos, este ano o tema arrefeceu. Não desapareceu, continua a ser central, mas deixou de ser o protagonista absoluto.
Curiosamente, esse “arrefecimento” trouxe um efeito colateral positivo: voltámos a falar de pessoas. De emoções. De propósito. De criatividade como força humana.
A IA está a transformar o nosso trabalho, sim. Mas também está a obrigar-nos a pensar no que significa ser criativo. E isso levou a uma aproximação entre a criatividade publicitária e outras formas de expressão, como a música, as artes visuais, a performance. Para quem vive criatividade, isto é natural. Muitos artistas vieram da publicidade. Muitos publicitários são artistas. Há uma ligação que sempre existiu.
Nos últimos anos, temos assistido a uma tentativa de estruturar a criatividade — com frameworks, metodologias e processos que tentam tangibilizar o intangível. Mas sejamos honestos: esses métodos raramente fazem parte dos currículos das escolas de arte ou design. E bem! Aqui, a IA pode ser útil. Não para substituir o criativo, mas para acelerar os caminhos exploratórios, organizar ideias, e libertar tempo para o que realmente importa: imaginar. Cannes 2025 deixou isso claro: não tentem curar os “malucos”, deem-lhes espaço para criar.
A criatividade nasce do caos, do improviso, da liberdade. É aí que o mundo pode tornar-se mais humano, mais belo, mais nosso. Como dizia o filósofo e poeta Agostinho da Silva: “O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.”