Por André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing, autor dos livros “Digital Marketing Analytics”, “Marketing Mindset”, “Marketing Governance” e co-autor de “Marketing Futureland”
No actual ecossistema digital, cada vez mais influenciado por algoritmos inteligentes e decisões automatizadas, a confiança tornou-se um capital estratégico escasso, onde a percepção de justiça, clareza e integridade pelos consumidores é tão relevante quanto o preço ou a performance.
A confiança nos negócios está em erosão contínua e é hoje um fenómeno global. De acordo com o Edelman Trust Barometer 2025, a quebra de confiança nos líderes empresariais atingiu os 21% desde 2021, espelhando uma percepção duvidosa sobre a conduta correcta das empresas, nomeadamente a defesa de interesses próprios em detrimento de um bem mais social e colectivo.
Em paralelo, o World Economic Forum (WEF, 2025) destaca o cepticismo dos colaboradores quanto ao uso responsável da inteligência artificial (IA) nas organizações. Estes dados, complementados por estudos recentes entre 2024 e 2025 (MIT Sloan Management Review; Journal of Marketing; Stanford Digital Trust Initiative), evidenciam que, no actual cenário de inovação tecnológica em fluxo contínuo, a confiança só consegue ser verdadeiramente construída de forma muito selectiva, e através de factores concretos.
Embora seja intuitivo pensar que transparência gera confiança, este processo deixou de ser linear, tal como defendido no estudo “The Price of Trust” (Hariharan & Ruban, 2025), que analisa as implicações financeiras da transparência de marketing em marketplaces digitais.
Principais conclusões do estudo
Este trabalho analisou vários níveis de transparência em processos, critérios de recomendação e racionais de preço, tendo concluido que:
• A transparência aumenta a confiança até um certo ponto;
• A transparência excessiva (oversharing) gera efeitos adversos: provoca fadiga cognitiva; aumento de dúvidas sobre a honestidade da empresa; sensação de manipulação algorítmica e maior churn;
• Existe um ponto óptimo de transparência: saber decidir quanto + como + quando revelar informação é a essência da “contabilidade moral” (transparência devidamente calibrada) – uma equação que gera stock de confiança no tempo;
• A transparência calibrada tem retorno financeiro: eleva o valor económico do cliente ao longo do tempo (CLV); confiança nas plataformas (interface); intenção de recompra; maior predisposição para pagar por soluções percebidas como éticas; redução de riscos reputacionais e custos de aquisição.
Dimensões estruturantes da transparência
O estudo estabeleceu quatro pilares fundamentais na construção da “infra-estrutura” de confiança. São os alicerces indispensáveis em que qualquer marca deve investir:
1. Integridade da influência e da mediação (Influencer Authenticity): A credibilidade das recomendações depende da transparência sobre parcerias, contrapartidas e benefícios envolvidos, entre outras motivações implícitas;
2. Clareza de preço ético (Ethical Pricing Clarity): A explicação honesta e simples sobre custos e racional de preço, sobretudo em campanhas sazonais, é decisiva na percepção de justiça;
3. Governance da arquitectura de privacidade (Data Disclosure): A transparência sobre o modelo instalado que salvaguarde a identificação pessoal (PII personally identifiable information) é um requisito mínimo obrigatório;
4. Responsabilidade algorítmica e mitigação de viés (Algorithmic Accountability): Algoritmos que afectam escolhas e decisões de consumo, recomendação e elegibilidade exigem uma explicação contextualizada e controlo de viés.
A metáfora da contabilidade moral
A expressão “contabilidade moral” (usada no artigo a partir das conclusões do estudo) sintetiza a necessidade de calibrar a transparência para maximizar confiança e minimizar riscos estratégicos. Tal como na contabilidade financeira, também aqui existem “entradas”, “saídas”, “registos” e “equilíbrios”, mas de narrativas, evidências, condutas e decisões, que devem ser geridas com critério e enorme selectividade.
As quatro dimensões (influenciadores, preço, privacidade e algoritmos) funcionam como “contas” nucleares de confiança e retorno financeiro sustentável em três frentes:
• Estratégia de marca: Saber explicar os racionais das ofertas, promessas e o enquadramento do preçário aumenta a percepção de honestidade; determinar o que é relevante para o consumidor e identificar o momento certo na divulgação é crucial, porque reforça a consistência estrutural da confiança existente;
• Gestão de risco: Minimizar efeitos adversos de transparência excessiva ou insuficiente; avaliar o nível de detalhe que fortalece a confiança sem gerar ruído ou suspeitas; limitar a exposição ou revelar vulnerabilidades;
• Crescimento e Performance: Manter a transparência calibrada aumenta a defensibilidade emocional e o sentido de justiça das empresas, elevando o valor absoluto da marca (económico e adicional intangível) a longo prazo.
Numa economia digital hiperconectada e em escrutínio permanente, lucro e transparência não são tabus culturais; são variáveis interdependentes. É neste contexto que a “contabilidade moral” assume relevância, como mecanismo de governança que optimiza esta dualidade em tempos voláteis, acelerados e “contaminados” de informação, consolidando as marcas percebidas como éticas, justas e responsáveis, transformando a confiança em capital tangível.














