O design da extinção

Pedro Pires
CEO/CCO Solid Dogma

Será que é desta? Que estão agora reunidas as condições essenciais; a saber, apocalipse climático com data marcada, contexto social propenso a mudanças radicais, uma nova geração focada em questões relevantes, Trump fora do poder, economia mundial no tipping point de ficar irremediavelmente comprometida com as novas energias; para que o discurso da sustentabilidade seja real?

Que depois de anos de muito Greenwash, ensaios parciais e poucas apostas verdadeiramente sérias, o momentum tenha chegado?

Parece que sim. Será inevitável e todos vão fazer o mesmo. Mas se calhar é mesmo disso que precisamos.

É certo que iremos ser bombardeados com esta questão da sustentabilidade até ao ponto de não conseguirmos mais comer salada; mas a verdadeira mudança, a cristalização de um ideário ou a transformação de uma tendência numa realidade assim o exigem. E isto é válido para as questões da sustentabilidade, género, abuso, raciais.

Tem que se falar, tem que ser omnipresente, inevitável. Todas as marcas o irão fazer, todos os anúncios lhe irão fazer referência. Mas o impacto provocado pelo simples facto de isso acontecer já vale a pena.

Terei sempre mais orgulho em trabalhar campanhas com esta mensagem ou outras de igual valor social.

Os melhores vão saber espreitar quem já anda nisto há alguns anos e que sempre soube usar o design e a comunicação de marca como um enorme factor de influência e agitar bem alto a bandeira da sustentabilidade.

No caso das marcas, já sabemos do mais recente exemplo da Patagónia, ou do mais antigo da bodyshop.

Mas, na minha opinião, o que interessa mesmo observar são os grassroots movements e as marcas de ONG. É aqui que encontramos alguns dos mais interessantes exercícios de branding de protesto e influência. Isto sim é influence branding. A construção de exércitos de opinião bem embrulhados em exercícios inteligentes de design e comunicação.

Nada que do ponto de vista da construção do argumento fique muito à frente das tradicionais técnicas de propaganda política de protesto: frases simples, incisivas, grávidas de conteúdo acessível a todos. Mas bastante sofisticados do ponto de vista do design.

Existem hoje vários movimentos que estão a mudar a forma como se desenha e comunica o protesto e a exigência social. E importa ir ver o que eles fazem em termos de comunicação e design, porque estas novas gerações são mais do que todas as outras impactadas por um discurso que venha em coerência com uma atitude estética, uma ideologia social e comportamental, uma forma de estar. Uma “marca de vida”.

Há muitos e bons – Amnistia Internacional, The Years Project, Black Lives Matter, Future Coalition, The Good Lobby, e em tempos o Greenpeace.

Mas gostaria de destacar dois que na minha opinião são os melhores.

O Sunrise Movement é construído em cima do Green Deal da Alexandra Ocasio Cortez, a congressista democrática que tem vindo a lutar pela adopção de uma política de nação face ao tema da sustentabilidade.

Um design de rigor, algo reminiscente de organizações militares/acção, com uma componente cromática e tipográfica fortíssima que imediatamente identifica o movimento e contribui de forma clara para tornar as suas acções visíveis e inconfundíveis. Uma atitude superpositiva que arrasta milhares de jovens nos Estados Unidos no activismo social claramente suportada e traduzida por uma imagem entusiasmante, agregadora, mas ao mesmo tempo crua, directa, agressiva.

E claro que, neste destaque, teria que incluir o Exctintion Rebellion, que se espalhou como um rastilho pelo mundo, no que com certeza foi ajudado pela excelente abordagem ao design de protesto da organização. Originalmente nascida pela mão do artista ESP – (https://www.extinctionsymbol.info/), a marca – ampulheta que marca a urgência climática e que no universo dos símbolos tem hoje o poder que o símbolo da paz teve nos anos 60 – é propositadamente feita para ser partilhada, existindo um manual online que ensina como se fazem materiais para campanha, imprimindo em coisas já existentes e não produzindo resíduos.

Mas tudo na comunicação desta organização bebe depois desta objectividade que encontramos no design do logo – as três simples exigências: Tell the Truth, Act Now, Go Beyond Politics, a utilização de cor com uma filosofia que fica tanto a dever à mais avançada alta costura como regras básicas de sinalética de estrada, a utilização do type, bold, ousado, impositivo, a adopção de uma atitude artística do ponto de vista visual e performativo, longe das habituais simbologias de base da sustentabilidade.

Em ambos os casos podemos ver o poder da coerência, da complementaridade entre o que é design e comunicação, assim como do poder da sofisticação.

É caso para dizer que isto é gente que anda a tentar salvar o mundo de mais do que uma maneira.

Artigo publicado na edição n.º 296 de Março de 2021

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