Meta, dados e o direito ao esquecimento: o que é que (ainda) podemos controlar e de que forma as marcas beneficiam?

EntrevistaNotícias
Marta Ferreira
11/06/2025
09:30
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No contexto atual de crescente digitalização e do avanço da inteligência artificial, o tema da privacidade e utilização dos dados pessoais tem vindo a ganhar cada vez mais relevância. Para as marcas, a recolha e análise desses dados é uma oportunidade para criar campanhas mais direcionadas e relevantes, mas traz também desafios e riscos.

Em entrevista à Marketeer, João Alves, Head of IT na consultora LTPlabs, destacou que “há sempre um risco na partilha de informação, mas no fundo é inevitável” de uma maneira ou de outra. No dia a dia, seja pelo uso de telemóveis, computadores ou redes sociais, “estamos sempre a partilhar algum tipo de informação”, mesmo que de forma indireta. Ou seja, “mesmo que não seja a informação individual, há informação sobre a informação — os metadados — que são muito ricos para criar perfis e identificar padrões” dos consumidores. “O WhatsApp, por exemplo, pode não saber o conteúdo das mensagens, mas sabe quantas trocamos, a que horas, com quem, se são vídeos ou áudios. Tudo isso pode ser usado para inferir comportamentos”, detalha.

Na sequência das notificações da Meta sobre o uso de dados para treinar IA, muitos utilizadores mostraram-se preocupados com a privacidade e procuraram privar a gigante tecnológica de aceder aos seus dados, mas, uma vez que esta oposição à utilização de dados tinha um prazo limitado (27 de maio), muitos outros não o chegaram a fazer.

Há forma de contornar essa questão? Segundo João Alves, sim – e não. Ou seja, “uma das melhores coisas que faz mais sentido com o RGPD (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), que já foi introduzido, foi o direito ao esquecimento e isso vai existir sempre”. Portando, o utilizador destas plataformas pode “chegar lá e dizer ‘eu não autorizo que os meus dados sejam utilizados para este fim’ e com o direito ao esquecimento pode dizer ‘quero que [os dados] sejam todos excluídos'”, começa por explicar. Isto pode ser feito na plataforma em si ou através de um e-mail em que se pode exigir esse direito ao esquecimento: “Geralmente todas as plataformas que operam na Europa têm de ter isso ou têm de ter um e-mail para esse fim.”

Porém, isso não inviabiliza “estas plataformas de continuarem” a recolher dados, mas passam a recolhê-los sem identificar a origem. Isto significa que os dados tratados são os mesmos dados que seriam tratados se a compra, ou se o uso fosse, feito de forma anónima. Ou seja, quando se rejeita os cookies, ou quando se compra algo sem passar um cartão de fidelização, seria usada a informação de um utilizador, mas a plataforma que trata os dados não sabe “nada” sobre ele em concreto. Mais, esta exigência de direito ao esquecimento não tem efeitos retroativos, pelo que os dados que já tiverem sido recolhidos, já estão sob alçada da plataforma.

“Mesmo que uma empresa apague os dados que o identificam diretamente, pode continuar a usar dados anónimos ou agregados. Desde que não saibam que é de X ou de Y, continuam a poder utilizá-los”, dá conta João Alves. “A única coisa que eles vão esquecer é a informação que os associa a mim, não a informação que eu já lhes dei”.

E em que é que esta recolha de dados é benéfica para as marcas? 

Para as marcas, esta capacidade de ouvir o que os consumidores querem — mesmo que de forma implícita — representa uma mais-valia. Isso significa que, em vez de enviar milhares de ofertas genéricas, as marcas podem direcionar campanhas apenas para os clientes que realmente vão interagir, otimizando recursos e aumentando a relevância. Para João Alves, essa personalização é “extremamente poderosa”. Isso traduz-se não só em campanhas mais eficazes, mas também em otimização de custos e antecipação de necessidades.

Ainda assim, o especialista alerta para os riscos de ultrapassar a linha do aceitável: “De repente, se uma oficina de carros que me mandava promoções genéricas começa a prever quando o meu carro vai ter problemas, isso assusta. Como é que eles sabem isso sem eu lhes dizer nada?”

A solução, diz, está na transparência: “Às vezes é melhor ser explícito. Dizer ‘há duas semanas comprou fraldas, está na altura de comprar mais’ pode ser menos assustador do que apenas mandar a promoção e deixar o utilizador perceber sozinho que a marca está a acompanhar os seus padrões de compra.” Na sua perspectiva, essa transparência reduz a sensação de invasão e ajuda a construir confiança.

Com mais ferramentas de IA acessíveis e potentes, João destaca que o cenário não mudou tanto nos riscos, mas sim na forma como os utilizadores os percepcionam. Agora sentimos mais os efeitos daquilo que já acontecia antes, o que não significa que os nossos dados não fossem já recolhidos através de, por exemplos, ‘cookies’.

Tecnologias que tornam possível analisar grandes volumes de dados e interpretar o comportamento do consumidor em linguagem natural, como os modelos de inteligência artificial atuais, tornam visível para muitos o que antes era invisível. Por exemplo, João recorda um caso famoso de 2012 em que um retalhista nos EUA conseguiu identificar que uma adolescente estava grávida antes do próprio pai, a partir de uma análise dos seus hábitos de compra — algo que hoje parece um poder quase “assustador”.


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