Hollywood está viciado em marcas de moda. Alta costura conquistou os ecrãs
A moda conquistou, definitivamente, o streaming. A alta-costura tem sido protagonista de alguns dos programas mais vistos e falados da televisão.
Para além de “Becoming Karl Lagerfeld” – um drama que acompanha o falecido designer alemão antes de assumir a direcção criativa da Chanel e adoptar o seu traje monocromático característico – a Disney+ lançou também “Cristóbal Balenciaga”.
A série examina o costureiro chamado “o mestre de todos nós” pelo seu par, Christian Dior, e abrange três décadas da carreira de Balenciaga, desde a chegada a Paris, em 1937, até à reforma, em 1968.
“The New Look”, lançado na Apple TV+, em Fevereiro, passa-se na mesma época da moda francesa, mas examina as fortunas contrastantes de Coco Chanel e Dior durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto Chanel colabora com os nazis, Dior quase perde a irmã num campo de concentração.
Foram realizados documentários sobre John Galliano, um designer britânico que foi despedido pela Dior depois de comentários racistas e de embriaguez terem sido tornados públicas, e sobre Diane von Furstenberg, uma designer belga que quebrou as convenções sexuais e de guarda-roupa com um estilo de vida festivo.
Mas há mais material para vir. A Netflix anunciou recentemente uma série documental centrada em Victoria Beckham, uma Spice Girl que se tornou magnata da moda e da beleza. Outra cinebiografia de Lagerfeld, protagonizada por Jared Leto, está a ser preparada, tal como uma série sobre a dinastia Gucci (que foi anteriormente dramatizada por Sir Ridley Scott em 2021).
Porque é que a moda é tão chique entre os produtores de televisão e de cinema? Uma das razões é que a alta-costura se presta a grandes dramas. Trata-se de uma indústria povoada por pessoas criativas e glamorosas, que, como atestam estes programas, podem ser controladoras, teimosas e torturadas, para além de talentosas.
Os designers são muitas vezes movidos pela rivalidade: Lagerfeld com Yves Saint Laurent, Balenciaga com Dior e Dior com Chanel.
Pode ser difícil fazer biografias de escritores visualmente cativantes, uma vez que uma página a preto e branco é muito parecida com outra. O mesmo não se passa com os fashionistas.
Usando tecidos, pontos e costuras, Balenciaga esculpiu, por exemplo, silhuetas inovadoras. Enquanto, Dior descreveu um vestido como “uma peça de arquitetura efémera”.
As roupas, na televisão e na vida real, são reflexo de quem as veste. Podem produzir momentos de transformação marcantes. «A narração de histórias no ecrã assenta em códigos visuais e o vestuário e a moda também», afirma Amber Butchart, historiadora de têxteis e design. «Temos esta compreensão partilhada do meio».
Outra razão para esta tendência é o facto de Hollywood estar actualmente viciada em marcas. Os estúdios querem fazer histórias sobre produtos populares, desde Barbies a Ferraris. O conteúdo sobre costureiros é uma aposta segura, uma vez que os espectadores já reconhecem os nomes das boutiques ou dos cosméticos, mesmo que saibam pouco sobre os seus homónimos.
As próprias casas de moda estão agora a envolver-se na narração de histórias. Nem sempre foi assim: os produtores de “O Diabo Veste Prada” tiveram inicialmente dificuldade em conseguir que as marcas emprestassem roupas ao departamento de figurinos, com receio de perturbar Anna Wintour da Vogue (a inspiração para a personagem diabólica interpretada por Meryl Streep).
Agora, 20 anos depois, a Balenciaga e a Dior deram a sua bênção para “Cristóbal Balenciaga” e “The New Look”, dizem Xabier Berzosa e Helen Shaver, produtores dos programas. As casas até permitiram que as equipas tivessem acesso aos seus arquivos.
Bina Daigeler, uma das figurinistas de “Cristóbal Balenciaga”, diz que «esteve sempre em contacto» com Balenciaga, bem como com a Chanel e a Dior, para se certificar de que as roupas eram retractadas de uma forma «respeitosa e precisa».
Ao emprestar os seus serviços desta forma, as casas de moda estão a «controlar habilmente a sua imagem», diz Marnie Fogg, autora de “Screen Style”, um livro sobre figurinos de televisão.
A cena final de “The New Look” – uma montagem dos fatos da Dior ao som de uma música suave – parece mais um anúncio do que a conclusão de um drama de qualidade. Não perdendo uma oportunidade de venda, a Dior lançou uma fragrância para coincidir com o lançamento da série.
Algumas casas foram mais longe, quebrando as fronteiras entre a marca e o entretenimento. Em 2021, “Fracture”, uma mini-série sobre um cantor e compositor fictício, foi desenvolvida pela Balmain para apresentar a sua última colecção.
A Chanel ajudou a financiar filmes protagonizados por Kristen Stewart, uma das suas embaixadoras. Não é de admirar, portanto, que a Sra. Stewart estivesse a usar muito Chanel enquanto interpretava a Princesa Diana em “Spencer”. (As pesquisas por blazers e malas Chanel dispararam na sequência da estreia do filme).
No ano passado, a Saint Laurent lançou a Saint Laurent Productions e co-produziu três longas-metragens – uma comédia musical policial, um drama de fantasia e um filme de terror – que foram exibidos no Festival de Cinema de Cannes, em Maio.
O estúdio de cinema é supervisionado por Anthony Vaccarello, que é também o director artístico da casa, que surge nos créditos de cada filme como “director artístico de figurinos”. Para além de equipar as personagens com Saint Laurent, a casa forneceu às estrelas roupas para o circuito promocional.
Este ano, a LVMH, um grupo de luxo e uma das empresas mais valiosas da Europa, lançou o seu próprio meio de comunicação, 22 Montaigne Entertainment. Esta empresa irá realizar filmes, programas de televisão e podcasts baseados nas marcas do grupo LVMH – ou, como Anish Melwani, presidente e director executivo da empresa na América do Norte, afirmou, «identificar projectos de entretenimento que honrem e mostrem autenticamente os seus portfólios criativos únicos».
Dado que a LVMH é proprietária de 14 das “maisons” de moda mais famosas do mundo – incluindo Celine, Dior, Fendi, Givenchy, Loewe e Louis Vuitton – não faltarão projectos para os contadores de histórias.
Em última análise, a abundância de entretenimento sobre moda reflecte uma paisagem mediática alterada. Embora se espere que o negócio da moda de luxo gere receitas de 105 mil milhões de euros este ano, contra 78 mil milhões de dólares, em 2020, os métodos antigos já não tentam os compradores como outrora. «Não vai conseguir chegar a todo o seu público na Vogue», diz Jenna Barnet, da Sunshine, uma consultora que ajuda as marcas na estratégia de entretenimento. «Já não vai fazer tudo por si.»
Como resultado, o entretenimento e a publicidade estão a «convergir para uma coisa só, e agora temos estes meios incríveis para contar histórias cada vez mais ricas, histórias cada vez mais longas, histórias mais valiosas», acrescenta Jenna Barnet.