Há muito mais no “novo” Saraiva’s

O restaurante é de sempre. A carta não. Nem quem conduz a cozinha: Gonçalo Costa. Se ainda não tinha posto na agenda, talvez seja melhor começar a fazê-lo

O convite tinha chegado semanas antes. Agendas cheias e férias pelo meio foram adiando a visita. Em pleno Agosto, com a cidade calma e os emails a tardar, fomos ao novo Saraiva’s.

O Saraiva’s é daqueles clássicos de Lisboa. Entre o Parque Eduardo VII e o El Corte Inglés, sempre com comida tradicional e clientes fiéis, apesar da dança de gestão nos últimos anos. Agora, passou para o Grupo Tágide e ganhou Gonçalo Costa para liderar a cozinha. Duas cartas de valor seguro!

Gonçalo Costa é “bicho raro”. Cozinheiro que dispensa o título de chef, ou não levasse o seu trabalho e tudo o que faz e serve demasiado a sério. Até porque os cozinhados vêm-lhe de sempre, desde que se lembra, dos tempos de criança e em que via, aprendendo, as mulheres da família em redor das panelas de ferro. Não foi logo que soube que gostava de meter as mãos na massa e apurar sabores. Só mais tarde, já em plenos estudos, percebeu que podia ser melhor na cozinha que na sala, a servir clientes. E, diríamos nós, ainda bem que o percebeu.

Conheci o Gonçalo Costa há uns anos, era então chef no Eleven, do Joachim Koerper, e garantia que nada ficava pela metade ou ao acaso. Depois disso perdi-lhe o rasto, que passou pelo Brasil e pelo Hotel Unique, em São Paulo, a que se seguiu uma aventura de foodtruck pelas ruas da cidade, num projecto com a mulher. Há uns anos regressou, a Santarém, com a vontade de abrir um espaço seu – hoje tem o Quiosque do Mercado, com o irmão, David Costa, estrela Michelin nos EUA, o outro irmão Bruno e a prima Loló.

Até Susana de Brito o desafiar a liderar o Tágide. Começou no emblemático espaço do Largo das Belas Artes, até há uns meses ter arregaçado de novo as mangas para dar outro fôlego e diferente carta ao Saraiva’s. E, claro, um rosto. Daqueles que sabe receber à moda antiga, sem pretensões nem altivez! Que sorri com gosto do elogio, mas que não desfaz o comentário. E que se prolonga na conversa, sem tempo.

Gonçalo diz que a sua cozinha é como um relicário dos locais por onde passou e, em particular, do Brasil. E, isso, nota-se bem nos pratos que agora traz à mesa no Saraiva’s – todo ele renovado, também, num trabalho de decoração de Teresa Monteverde.

Saraiva's lisboa

Para abrir hostilidades, e comer à mão, o taco de tártaro de salmão com suas ovas e mão de buda. Fresco, com sabor equilibrado, com a maior nota a vir da ova, e a casar na perfeição com o dia de calor… e o vinho branco, Encruzado.

Seguia-se o camarão salteado com kale crocante com abacaxi e coco. Aqui, é notória a influência de outras geografias, no enorme contraste entre o sabor a mar do camarão e a tropicalidade dos frutos. É entrada que vale a pena, apesar de que se ganharia mais ainda se os moluscos estivessem frios. Gonçalo Costa concorda. «O meu desejo era mesmo servi-los crus.»

Já “do Mar” veio o pregado com esparregado de espinafres e texturas primaveras, ou mini legumes. As memórias das férias regressam todas com este prato, simples. E a fechar, o peito de frango orgânico com pistácio e arroz de beterraba. Sem reparos, mas a perder protagonismo depois de um brilhante pregado.

Para nos apetecer, mais ainda, voltar, Gonçalo Costa diz que temos que provar «uma espécie de crepes Suzette» com Grand Marnier e laranja do Algarve. O que é que se pode dizer? Que não ficou migalha! Obrigada. Assim vale a pena.

PS – Com a nova carta, Gonçalo Costa quer lançar menus de degustação de oito pratos, que servirá apenas e só numa mesa comunitária, para 18 lugares, e em que quem chega partilha espaço e eventual conversa com quem por lá está.

Texto de M.ª João Vieira Pinto

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