Nos últimos anos, um novo conceito emergiu no branding global: o “Glocal Fading” – a estratégia de esbater deliberadamente as origens nacionais de uma marca (local) para evitar estereótipos negativos. Um bom exemplo desta arte chega-nos pelas mãos de empresas como a chinesa Lenovo. Não é o caso porém de outras congéneres do mesmo país como a Shein, a Temu e o AliExpress, que acabam por reforçar a imagem da China como sinónimo de produtos baratos, copiados e descartáveis. Esta dicotomia ilustra um dos maiores desafios que as marcas chinesas enfrentam na Europa: como ultrapassar a complexa percepção do “made in China” e transformá-la numa vantagem competitiva.
O sucesso de algumas marcas e o fracasso relativo de outras reside na forma como lidam com o chamado “Country of Origin Effect” – o fenómeno pelo qual os consumidores avaliam um produto com base no país que o produz. Neste contexto, surgem duas estratégias distintas: o “Glocal Fading”, que minimiza a associação à China, e a “Brand Sovereignty”, que redefine a identidade da marca para além das fronteiras nacionais, criando uma abrangência global que se sobrepõe.
A Lenovo é, talvez, o melhor exemplo de uma marca chinesa que conseguiu aplicar o “Glocal Fading” com mestria. A sua aquisição da divisão ThinkPad da IBM em 2005 permitiu-lhe herdar uma aura de qualidade e inovação tipicamente ocidental. Com sedes em Hong Kong e nos EUA, e uma estratégia de marketing globalizada que evita referências culturais chinesas, a Lenovo construiu uma imagem de marca neutra, quase sem nacionalidade. O resultado? Muitos consumidores europeus nem sequer sabem que estão a comprar um produto chinês quando adquirem um portátil ThinkPad.
A DJI, líder no mercado de drones, segue um caminho semelhante, mas com um toque diferente. Em vez de esconder as suas origens, a marca investe numa estratégia de “Brand Sovereignty”, posicionando-se como líder tecnológico indiscutível, acima de quaisquer preconceitos nacionais. Ao associar-se a criadores de conteúdo ocidentais – YouTubers, cineastas, fotógrafos – e ao manter um posicionamento premium, a DJI consegue escapar à armadilha do “made in China = barato”. O resultado é um domínio impressionante de 70% do mercado global de drones, sem grandes resistências (pelo menos por enquanto…!), por parte dos consumidores europeus.
A Xiaomi, por sua vez, opta por uma abordagem híbrida. Conhecida como o “Apple da China”, a marca investe em design premium, lojas físicas na Europa e patrocínios de eventos desportivos na Europa como a Zurich Rock ‘n’ Roll Running Series Madrid (2026). Ao fazer isso, a Xiaomi não está a esconder as suas origens, mas sim a redefinir o que significa ser uma marca chinesa: não um símbolo de baixa qualidade, mas de inovação acessível.
Mas, enquanto estas marcas conseguem escapar aos estereótipos negativos, outras parecem cair num ciclo vicioso de reforço do estigma chinês. A Shein, por exemplo, tornou-se o epítome do fast fashion global, mas também o rosto dos piores excessos da produção chinesa. Os seus preços ultrabaixos e a velocidade vertiginosa de lançamentos são a sua maior vantagem, mas também a sua maior fraqueza. Reportagens sobre condições laborais precárias, acusações de copiar designs de marcas ocidentais e preocupações ambientais ligadas à moda descartável contribuem para uma imagem que associa a Shein – e, por extensão, a China – a práticas questionáveis. Por seu lado, a Temu, a nova sensação do comércio eletrónico, segue um caminho ainda mais arriscado. A sua estratégia assenta em preços absurdamente baixos, anúncios agressivos com gaming, e uma experiência de compra que muitos descrevem como uma “lotaria”. Enquanto o crescimento é impressionante, a desconfiança dos consumidores europeus é palpável. Questões como “Será que vou receber o que encomendei?” ou “Estarei a apoiar práticas laborais exploradoras?” minam a credibilidade da marca a longo prazo.
É aqui que entra o conceito de “Brand Sovereignty” – a ideia de que uma marca pode definir a sua própria identidade, independentemente do seu país de origem. Em vez de fugir da China ou de explorar os seus estereótipos, as marcas podem construir uma narrativa própria que transcenda nacionalidades. O TikTok, propriedade da chinesa ByteDance, é um caso interessante. Apesar das pressões geopolíticas, a plataforma conseguiu posicionar-se como um espaço global de criatividade, e não como uma “app chinesa”. Ao investir em equipas locais e conteúdos regionais, o TikTok (pelo menos até agora…!) evitou o destino de outras plataformas chinesas bloqueadas no Ocidente.
Para marcas como a Shein ou a Temu, o caminho para a “Brand Sovereignty” poderia passar por uma maior transparência (mostrar cadeias de abastecimento éticas), colaborações com designers europeus ou até mesmo a criação de linhas premium que quebrem o ciclo do “preço mais baixo a qualquer custo”. Para os gestores que operam no espaço euro-chinês, a lição é clara: o “made in China” não tem de ser uma condenação, mas também não é, por si só, uma vantagem. As marcas que conseguem escapar ao estigma – como a Lenovo, a DJI ou a Xiaomi – fazem-no através de estratégias deliberadas de posicionamento, seja via “Glocal Fading” (neutralizando as origens), seja através de “Brand Sovereignty” (redefinindo o que a marca representa), ou de ambas. As que falham – como a Shein ou a Temu – mostram os perigos de abraçar sem crítica um modelo de negócio que explora os piores estereótipos do país de origem. Num mundo onde os consumidores estão cada vez mais atentos a questões éticas e ambientais, a pergunta que fica é: até quando poderão estas marcas depender do “barato” como única proposta de valor?