Fluidez ou fricção, eis a questão!?

Por Gustavo Marques Mendes, professor convidado da Porto Business School e director de Marketing do Grupo Primor

“Sempre que um cliente interage com a marca, essa interacção deve ser o mais simples e conveniente possível.” Todos concordamos, certo? “O objectivo principal é garantir sempre conveniência, facilidade e fluidez para que o cliente possa comprar de maneira mais rápida e simples.” Impossível discordar, certo? “A fricção é o inconveniente a eliminar porque cria dificuldades para o consumidor durante a sua jornada de compra.” Continua a parecer impossível discordar, certo?

Errado.

Seria sem dúvida de supor – pela nossa intuição enquanto consumidores, mas também pelas centenas de textos que lemos e pelos gurus que ouvimos – que a construção de boas experiências para o cliente (ditas experiências memoráveis) reside na capacidade de tornar essas experiências o mais simples, rápidas e convenientes possível, sempre com o mínimo de esforço envolvido pelo lado do cliente.

Eu próprio tenho apresentado como a “Santíssima Trindade da Experiência do Consumidor” a facilidade de escolha (“ease of choice”), a facilidade de utilização (“ease of use”) e a “tranquilidade pós-compra” (“ease of mind”).

Mas o que uma análise atenta nos mostra é que, embora tudo isto possa ser verdade para muitas marcas – e a Amazon.com é o exemplo de maior sucesso – para outras, seguir este caminho pode também significar abandonar completamente a estratégia e o posicionamento da marca.

Improvável? E quando a fricção é o principal aliado de uma experiência de consumidor diferenciadora? E quando a fricção é um dos principais aliados na construção de uma marca forte? A fricção ou o atrito merecem uma melhor compreensão do que significam e de quais os impactos – nomeadamente os positivos – que podem ter na construção do posicionamento da marca e, consequentemente, da experiência do consumidor.

As marcas falam por si: a IKEA e a Ferrero. A IKEA fez da fricção o principal atributo da experiência do consumidor e com um sucesso indiscutível. Quando todas as marcas caminhavam para uma experiência no retalho fluida, linear e simples, a IKEA aparece e obriga o visitante a seguir um caminho longo, sinuoso e até complexo. E depois disso… Ainda “obriga” a montar o móvel. Mas, no final, o cliente sente que valeu a pena. A Ferrero, por sua vez, utiliza a fricção para trabalhar exclusividade, quando nos diz que no Verão não podem existir os Ferrero Rocher por causa do calor, apesar de vermos os lineares cheios de chocolate. São duas marcas cujo sucesso passa indiscutivelmente pela “gestão” inteligente da fricção.

Por isso, fluidez ou fricção, eis a questão!?

E a resposta está onde normalmente está sempre: no posicionamento pretendido e na forma como a marca acrescenta valor. Diferentes abordagens serão mais apropriadas para diferentes marcas, dependendo, precisamente, de como elas acrescentam valor para o cliente, se pela fluidez ou pela fricção. A marca de roupa Anti Social Social Club tem inclusive uma loja online onde frequentemente todos (e digo literalmente todos) os artigos estão marcados com “sold out”. Fricção no seu melhor, para uma marca que faz do “anti social” a sua imagem.

Uma última nota sobre métricas, como não podia deixar de ser. Como medir o impacto da maior ou menor fluidez na experiência do consumidor? Quem me conhece sabe que sou um defensor do Customer Effort Score (CES). Este indicador da “taxa de esforço” mede em que medida foi fácil (ou não) para o cliente conseguir o que queria. E se é suposto ser difícil, então a taxa de esforço vai ser elevada. No final, só temos é que confirmar com o cliente: “E valeu a pena?”. Se sim, óptimo, objectivo cumprido.

E o objectivo é sempre o mesmo, mesmo que as estratégias para o alcançar tenham mudado ao longo do tempo: certificarmo-nos de que os clientes continuam a escolher a nossa marca.

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