Está na altura de fazer mais

O momento é de corte radical com o passado. O caminho da indústria seguradora deve passar, assumem os especialistas do sector, pela simplificação, transparência e digitalização.

Texto de TitiAna Amorim Barroso

Fotos de Pedro Simões

Uma indústria que já conquistou no mercado português o seu próprio espaço, dimensão e reputação.

As palavras são de João Gama (MAPFRE), José Villa de Freitas (Fidelidade Seguros), Miguel Vilarinho (OK! teleseguros), Rodrigo Esteves (Liberty Seguros), Reinaldo Silva (AXA Portugal), Maria Luís Rodrigues (Allianz Portugal) e Rita Ferrão (Eurovida/Popular) presentes numa conversa no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, em torno de processos, tecnologia, inovação, serviço ao cliente, qualidade, imagem, crise, literacia, complexidade, mediadores, distribuição, obrigatoriedade, digital, directas.

Imagem e foco no cliente

Antes era considerada a indústria das “letrinhas pequenas”, nos últimos tempos tem ganho reputação. Todos têm feito um bom caminho e na mesma direcção.

«A crise financeira tornou-se um aliado de peso, porque permitiu distinguir-nos. O facto de nas seguradoras existirem carteiras de activos autónomas que são alocadas ao segurado faz toda a diferença em termos da representação da responsabilidade.»

«A melhoria de processos, tecnologia, inovação e serviço ao cliente é fruto da crise.»

«Em termos de imagem, solidez e qualidade houve uma evolução brutal. Sou do tempo em que os seguros eram todos iguais e os preços também. Trabalhei assim.»

«Acho que as companhias de seguros, semelhantes a outras empresas, começaram a olhar muito para o cliente e a prestar o serviço que o cliente espera.»

«Quando o mercado começou a ser liberalizado, com o arranque de novos players no mercado, isto nos finais da década de 1980 e princípios de 1990, tudo começou a alterar-se. Houve uma mudança muito grande na forma de estar das companhias, o que também levou a uma alteração significativa na qualidade de serviço. Tudo isto fez com que, de facto, há 30 anos ninguém confiasse nos seguros, bem como nas oficinas, ao contrário dos bancos, que eram os sérios e confiáveis. Mas hoje os seguros têm uma imagem excelente.»

Iliteracia e complexidade

Ainda há uma terminologia especializada? É ilusão ou o léxico é ainda um entrave ao desenvolvimento dos seguros? A complexidade dos produtos é ainda necessária?

«Iliteracia ou literacia? Existe ainda algum desconhecimento, mas a culpa em parte é nossa, do sector, da indústria, não é só das seguradoras ou da distribuição. O que há a fazer? Está na altura de fazer alguma coisa, avançar com o Fórum, dando o nosso contributo, e aproveitar o facto de estarmos numa fase de reconhecimento e reputação para chamar a nós este papel de esclarecimento e trabalhar a iliteracia nesta área.» «Acho que o “segurês” está a mudar e já mudou muito, é cada vez menos uma questão, começa a estar esbatida. As pessoas estão mais esclarecidas, questionam mais, os próprios clientes desafiam a mediação e as próprias seguradoras a não se esconderem no “segurês”.»

Deve a indústria manter-se apenas nos seguros obrigatórios ou diversificar?

«Ainda há muito a lógica dos seguros obrigatórios. O que não há noutros países.» «Aqui também com a crise, as pessoas começaram a cortar e a pensar somente no obrigatório.»

«Isso prende-se com a questão da percepção do que é o seguro e para que serve. Há uma incompreensão ou menor compreensão do que é que fazemos. E isso implica que as pessoas tenham a tendência de fazer os seguros a que são obrigadas, porque não vêem como uma mais-valia pagarem por algo que não é imediatamente tangível de receber. E depois há outro ponto relevante que tem a ver com as características da nossa distribuição… noutras geografias a distribuição dos seguros é muito mais agressiva, mas as nossas redes colocam apenas os seguros que as pessoas mais procuram. Agora estar a trabalhar o cliente no sentido de perceber se têm filhos, se têm um pequeno negócio, o que precisam – isto já não é feito de uma forma profunda.»

«Mas isso pode ser feito por nós enquanto seguradora. É verdade que, para os mediadores que muitas das vezes não trabalham em exclusividade, é mais fácil responder ao que o cliente quer. Mas se lhes dermos ferramentas para os munir em termos de competências pode ser o caminho.»

«Mas isso já andamos a fazer.»

«Isto também se prende com a complexidade dos produtos. Se é obrigatório é produto standard, portanto está ultrapassado. Mas se olharmos para a redacção das condições gerais de um multirrisco habitação continua muito próxima de há 20 anos. Por que é que as companhias têm esta postura? Pelo seu ADN, as seguradoras têm uma forma de funcionar baseada no seu histórico, por isso é mais difícil inovar. Mas nos mercados lá fora as coisas não estão muito mais desenvolvidas. Esta complexidade dos produtos é a de explicar e leva a que a explicação seja demorada.»

«Como é que conseguimos passar uma ideia de venda de algo complexo através de uma rede que não tem de dominar um produto mas sim vários produtos, várias soluções? Se queremos desenvolver a indústria para a parte dos seguros facultativos, este desenvolvimento passa pela simplificação e pela transparência dos produtos e isso implica um corte radical com o passado. Agora é preciso essa coragem e haver alguma articulação, porque se não houver, essa inovação pode custar muito dinheiro e pode ser um “tiro no pé”. E daí ninguém querer dar o primeiro passo.»

«O “segurês” não é uma barreira à entrada, ou seja, quando um cliente compra uma apólice de seguro não é nesse momento que tem as dúvidas. É no sinistro, infelizmente, é quando se apercebe que afinal há um pagamento, uma franquia, um período de carência… E acho que grande parte desse esforço de explicar bem também tem sido feito.»

«Se houvesse no currículo escolar uma cadeira obrigatória sobre seguros podia fazer a diferença. A ideia de quando faço um seguro é que começo a perceber o que é, por si só não será solução. A consciência da importância do seguro tem de ser abrangente, enquanto elemento que reduz a incerteza, fomenta a confiança pessoal e empresarial, factores fundamentais para o desenvolvimento económico.»

Digital e directas

«Há uma coisa que está a mudar imenso e que vai ajudar nesse caminho e tem a ver com o digital e a obrigatoriedade natural de simplificar coisas. No outro dia estava numa apresentação que dizia uma coisa muito engraçada: “O digital torna-nos muito mais preguiçosos, porque cada vez mais nos obriga a ser mais rápidos a decidir e a perceber.” Toda e qualquer simplificação que é feita nesta área vai obrigar a uma simplificação na venda presencial, assumindo que, durante muito tempo, a distribuição dos seguros vai coexistir no momento digital e no presencial. Estou de acordo que há uma grande evolução e esforço a nível de mediação. E há claramente duas velocidades nesta rede, há mediadores que têm um nível de desenvolvimento e sofisticação incomparável e, por outro lado, o cliente que está à sua frente também é diferente, há ali um ajuste.»

«O caminho de facto é a simplificação na forma como se entrega. E na digitalização trabalhamos a simplificação da oferta para ficar perceptível no ecrã e em dois ou três cliques sermos capazes de perceber o produto. Porque quem consegue vender no ecrã consegue de certeza explicar a um mediador para ele vender presencialmente. Este duplo caminho vai simplificar aquilo que é relevante.»

«Deixem-me acrescentar uma coisa que tem a ver com os canais de comunicação. Hoje o cliente tem mais ferramentas e mais conhecimento. Mesmo que não perceba bem o seguro, quando tem um problema tem mais facilidade em expor e partilhar o que necessita.»

«Mais uma vez, quem é que há 10 anos tinha processos implementados de ouvir o cliente, medir a satisfação, os níveis de serviços, qualidade, atendimento? Atrevo-me a dizer que quase ninguém e hoje não passa pela cabeça de ninguém não ter. Isso foi um “shift” que aconteceu e que leva a que a percepção seja diferente. E com base na percepção altera- -se a forma de comunicar, pode não se alterar o clausulado do Multirriscos e o cliente também não liga a isso, mas altera-se a forma de vender e de apresentar o produto.»

As directas são vias digitais, que nasceram pelo telefone. O que trouxeram a nível de simplicidade? «Trouxeram desde logo: a simplificação no interface com o cliente.»

«Sobretudo em todo o processo de subscrição, que era uma proposta com não sei quantas perguntas para responder, embora na Saúde ainda seja assim. Mas lá está um excelente exemplo, será a Saúde um produto adequado para ser distribuído por uma companhia directa? Acredito que sim, se for um produto simples e fácil de explicar, se não vamos tentar vender um plano completo com as coberturas todas, ambulatório, internamento, períodos de carência, comparticipações, franquias, isto é impossível. O que faz sentido é apresentarmos um produto mais simples, de internamento, com uma hipótese de acesso à rede a preços convencionados, mas desde que seja claramente bem explicado.»

«Acho que no seguro de Saúde o cliente está informado e quer estar informado, sabe como o vai usar e como funciona e faz as perguntas e aí, quer o mediador, quer as companhias directas, são obrigadas a explicar.»

«Só 20% das pessoas fazem tudo na internet: a compra, a pesquisa e a simulação. Mas depois telefonam sempre.»

«A base dos produtos clausulados é sempre a mesma, quando uma companhia tradicional lança um produto ou uma cobertura há uma tentativa de muitas vezes as directas tentarem ir atrás, isso não deve ser feito. Porque se for muito complexo e difícil de explicar não vale a pena. Há produtos e coberturas que devem ser claramente vendidos por mediadores, que são muito competentes e explicam presencialmente. Há produtos que são impossíveis de vender pelas directas, porque não são simples. Agora houve um ganho muito interessante no processo de subscrição e de venda pela internet.»

«A vinda das directas funcionou também como catalisador para que as tradicionais mudem os processos de subscrição.»

«Há uma simplificação do serviço e dos processos, e não do produto.»

Com essa passagem contínua das tradicionais para o digital. Qual o futuro das directas? Não se estarão a aproximar umas das outras?

«É uma excelente questão. E que tem sido colocada, mas têm posicionamentos distintos. Uma companhia directa em princípio tem condições para fazer um preço mais competitivo e continuar sempre a ter processos de comunicação, de venda e serviços mais simples. Agora é a diferença de preço suficiente para captar os portugueses? Acho que as companhias directas nunca terão uma grande fatia de mercado. Em 2014 perderam ligeiramente quota. Porque o mercado português é pautado por uma cultura de relacionamento. Se temos um problema, não vamos ler o manual, telefonamos, sabemos junto de amigos. As directas podem chegar aos 10% de quota, mas nunca acontecerá o que se vê em Inglaterra.»

«Não sei como é que esta juventude se vai comportar. Não podemos avaliar pelo passado com a juventude de agora, que utiliza bastante a internet.»

«O comportamento dos consumidores é muito pesquisa e informação online e depois concretização presencial ou telefónica, que não sei se mudará. Há uma evolução da oferta, a própria geração futura de mediadores é diferente, mais ligada ao digital. Mas até os universitários, depois de fazerem tudo digitalmente, precisam de alguém.»

«É sempre necessário o conforto final dado por uma pessoa.»

«Acho que o caminho deve ser três vertentes: simplificação, clarificação e digitalização. E foco na informação e formação de todos os mediadores.»

Artigo publicado na edição n.º 232 de Novembro de 2015.

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