Especial Marcas e Mercado Automóvel: Quem compra marcas, compra história

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Marketeer
30/05/2025
15:50
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O mercado automóvel português alberga hoje 52 marcas e responde por um total de vendas anual de 245 mil unidades. Com um crescimento residual e a assistir à entrada de vários novos players mais hard price, esta é uma fase de análise e de reavaliação de estratégias para as marcas tradicionais. Isso mesmo foi confirmado pelos responsáveis presentes no mais recente pequeno-almoço debate organizado pela Marketeer e que contou com a presença de Ana Palma (Stellantis), António Caiado (Skoda), Hugo Barbosa (Renault), Márcia Paulo (DS Automobiles e Alfa Romeo) e Susana Doutor (Renault).

A meio do primeiro semestre, que balanço e que perspectivas possíveis para 2025? O mercado está a crescer ou mantém- se flat? E as marcas chinesas, já roubam quota considerável e implicam a revisão de estratégias? No meio de todas estas mudanças, como se mantêm os clientes fidelizados e como captar a atenção de consumidores, tendo em conta que as estratégias de comunicação e marketing das marcas automóvel continuam muito alinhadas entre elas…?

Estes foram apenas alguns dos tópicos servidos à mesa, com todos os presentes a começar por confirmar que, de facto, o mercado está em fase de grave transformação, sendo que um dos grandes desafios diz respeito à entrada de fortes players, em particular chineses, e que acompanha com o facto de as novas gerações procurarem um estilo de vida diferente e não valorizarem marcas. Apesar de, referem, os jovens não representarem mais do que 16-17% do total do mercado, o que terá levado, de resto, a que a estratégia de muitas das mais recentes marcas a entrar no mercado esteja a passar pela conquista das empresas, ou seja, do canal frotas e que lhes tem permitido a entrada no mercado de forma rápida, mesmo sem grande comunicação aparente, mas com uma construção de imagem efectiva.

«O mercado vai ter que ligar às marcas. Pode é não valorizar uma marca que tem um histórico e um ADN maior do que outra mais recente, porque, quando falamos das marcas chinesas, obviamente que este background não existe, mas há a atracção pela tecnologia. Agora, quem compra marcas tradicionais, compra história», destacam.

No meio disto, de que forma, então, é que as marcas se poderão diferenciar? «Um dos desafios que estamos a atravessar, agora com a entrada mais forte dos [fabricantes] chineses, passa exactamente por contar a história, não só do percurso que a marca fez, mas o próprio know-how», partilham. Até porque, conforme sublinham, os fabricantes chineses conseguiram de repente entrar em força com os eléctricos, porque sempre foram bons em preço, design e cópia de linhas. Olhando a uma marca em particular, a BYD, confirma-se o seu design atractivo e o facto de os próprios materiais terem melhorado de nível.

Neste ponto, e neste território ainda, de salientar que o Grupo Stellantis acabou de lançar no mercado nacional uma marca nova, a Leapmotor. Trata-se da décima marca do grupo e não só é chinesa como entrou com um veículo eléctrico com 970 km de autonomia e um preço a começar nos 37.500 euros.

«O mercado português comercializa 52 marcas, havendo poucos mercados tão concorrenciais como o nosso. As marcas mais tradicionais têm sido resilientes e têm conseguido sempre sobreviver», lembram, a propósito, enquanto dizem: «Se formos olhar mais atentamente às vendas dos novos players, é verdade que já têm uma penetração interessante, mas grande parte dela é feita nos TVDE. Tem sido a forma de aparecerem no mercado e estarem em grande força. 78% das suas vendas estão aí, o que pode ser um caminho difícil de gestão de imagem, de desvalorização!».

Certo parece ser, contudo, que perante todos estes novos paradigmas, os novos players irão ajudar as marcas tradicionais a fazer diferente e melhor.

Alavanca para fazer diferente

Num parque automóvel global, que ronda as 6 milhões de unidades, mas 26% tem mais de 20 anos, quando se olha para os user choosers, e em particular para os jovens, o que se percebe é a dificuldade em comprar carro, tendo em conta o impacto dos impostos sobre o valor base, nos últimos anos. Nessa medida, «os [fabricantes] chineses são bem-vindos, nomeadamente para percebermos que temos que ir trabalhar».

E isso mesmo é admitido por todos os presentes no debate, com alguns a destacarem o facto de uma das marcas que mais terreno conquistou nos últimos meses, no mercado português, ter a seu favor o controlo total da cadeia de produção – desde as baterias aos espelhos, passando pela carroçaria e pelos próprios navios de transporte. «Tudo isso permite-lhe controlar custos e ter economia de escala».

Num olhar mais futuro ainda, preocupante para alguns dos presentes é a eventual nova volta que o mercado poderá vir a dar no momento em que os incentivos fiscais caírem. «Esta transição, preparada há algum tempo, é fruto de uma regulamentação europeia, mas não se pode ignorar o facto de esta nova geração estar a caminhar para uma mobilidade mais descartável, sem posse de carro», ressalvam.

Uma realidade e um paradigma que obrigarão as marcas a repensar caminhos e estratégias, até porque muitas nunca se viram como parceiros de mobilidade. «É uma oportunidade para todos perceber como proporcionar mobilidade sem ser necessário comprar um carro.» A posse já não é a ambição, mas sim a experiência, advogam, apesar de haver vozes para quem a mobilidade é vista quase como inimigo do sector automóvel. «A mobilidade é ir de A para B, é transportar pessoas, mas quem compra um automóvel não está apenas a pensar ir de A para B, pelo que, se nos focarmos nesse tema da mobilidade, perdermos muito do que é a essência do automóvel. A mobilidade é conveniência, é preço, é rapidez. E, aqui, quase não há espaço para a marca!»

O que há, sim, é que aceitar e perceber que há segmentos para tudo e que as diferentes marcas permitem trabalhar os vários segmentos existentes no mercado. Ou seja, não se pode rejeitar a existência da mobilidade e da conveniência, mas aceitá-la e trabalhá-la melhor.

Back to back na comunicação

Outro desafio que as marcas automóveis enfrentam prende-se com a diferenciação no plano do marketing e comunicação. Nos últimos anos, o mercado encontrou uma espécie de fórmula única de comunicar e o que vemos são campanhas, de uma forma geral, muito idênticas e estandardizadas, dentro da caixa, com uma linguagem muito alinhada e até cenários e guiões semelhantes. A maioria das marcas continua preocupada em comunicar as suas USP (unique selling propositions). «Em vez de estarmos a pensar na emotional selling proposition, na emoção, estamos a falar de funcionalidades técnicas que, muitas vezes, os clientes nem percebem o que são. Ou seja, não estamos a falar do benefício, daquilo que acrescenta em termos de valor e emoção, mas do que entregamos enquanto marcas automóveis. Estamos muito focados no nosso umbigo», lamentam os responsáveis à volta da mesa, salientando que «o problema é que o mercado automóvel começou a pensar no marketing muito tarde».

Assim, o que se tem verificado nos últimos anos é que as estratégias de comunicação têm sido, regra geral, muito padronizadas, os automóveis tornaram-se gradualmente gadgets com rodas e, como corolário, a emoção tem-se perdido – embora ainda exista a paixão por alguns modelos icónicos específicos e isso nota-se pelo entusiasmo gerado pelo lançamento de novas versões. Urge trazer de volta essa emoção e a experiência para o centro da comunicação das marcas, lembrando os responsáveis que, no passado, algumas insígnias automóveis associaram-se aos ralis, por exemplo, e conquistaram assim notoriedade no mercado, com reflexo directo nas vendas. «Havia muito o espírito “winning on Sunday, selling on Monday».

É verdade que os próprios formatos publicitários – e regulamentações em vigor – acabam por balizar aquilo que se pode ou não comunicar, e como se pode comunicar. Ainda assim, é possível encontrar, do ponto de vista estratégico, outros caminhos que reforcem a tal vertente emocional. «Temos spots [televisivos] de 20 segundos para mostrar o que valemos. Como é que passamos emoção em 20 segundos? É muito difícil. Então focamo-nos em três ou quatro USP, mais a oferta, mais o convite ao test drive, mais a assinatura da marca no final… Somos forçados a ir por aí. É a comunicação racional ou obrigatória, mas isso não nos diferencia nem passa emoção. Quando queremos trabalhar a parte da emoção, temos de falar de activação em eventos, por exemplo.» E esse é um caminho mais de longo prazo e consistência.

Em termos de canais, a comunicação no mercado automóvel continua a ser muito direccionada para as massas e, embora a televisão já «não tenha um impacto tão forte como tinha há uns anos», continua a ser um meio relevante do ponto de vista do investimento – até porque, em Portugal, o custo por anúncio continua a ser dos mais baixos da Europa. Porém, também por aqui é possível fazer diferente.

O desafio para o futuro passa por explorar novos canais de comunicação, como o digital, mas também por uma espécie de “back to basics”, com uma aposta mais assertiva nos outdoors, nos mailings e numa comunicação mais personalizada, defendem os participantes. Algumas marcas estão a percorrer esse caminho e a deslocar investimento da televisão para novos canais, como podcasts, por exemplo, com sucesso ao nível dos objectivos propostos.

Nesse aspecto, as marcas devem voltar a prestar novamente atenção ao CRM (Customer Relationship Management), porque se um automóvel é o segundo maior investimento que os consumidores fazem nas suas vidas, a comunicação e o serviço pós-venda têm que corresponder a esse peso relativo na despesa familiar. Nesse sentido, a rede de oficinas continua a ser um ponto fundamental de relação e fidelização.

Além disso, terá que haver também uma maior adaptação ao mercado local. Hoje, uma campanha publicitária que é lançada no mercado português é essencialmente a mesma que é transmitida nos mercados espanhol ou francês, com pouca ou nenhuma adaptação ao consumidor local. Sendo certo que o problema é que as marcas automóveis em Portugal são essencialmente distribuidoras e têm de seguir as directrizes dos headquarters, não é menos verdade que este é um tema que pode ser trabalhado, nomeadamente em activações e outras acções de marca.

«Estamos todos a comunicar de forma muito idêntica. Para chegarmos aos vários segmentos de mercado temos de encontrar outras formas de o fazer. Essa deve ser uma grande preocupação, porque no dia em que um automóvel for mesmo só um gadget e nada nos diferenciar uns dos outros, estaremos num mau caminho», alertam.

E os eléctricos?

Já há algum tempo que as marcas se preparavam para a transição energética e o formato de comunicação em torno de uma transformação por parte do cliente, sendo que, hoje, o nosso País é um dos que tem a maior comunicação – e penetração – de eléctricos.

O que tem que ver com vários factores, nomeadamente o facto de sermos dos países que mais vantagens fiscais tem, sobretudo, no canal das empresas. «Os incentivos fiscais foram, realmente, um dos motores para a penetração elevada que temos no nosso mercado e é interessante ver que temos até um comportamento atípico face aos outros países do sul da Europa, que não estão tão bem como nós, como é o caso de França, Itália ou Espanha», referem.

No entanto, não deixam de lembrar que, se por um lado as vantagens fiscais foram muito importantes, também acabaram por criar uma distorção, pelo que é expectável que se venha a assistir a um recuo ou a um travão neste território. Ou não estivesse o mercado europeu de carros eléctricos estagnado desde 2023. Um resultado que não é totalmente directo do mais recente apagão, segundo defendem, apesar de admitirem que este serviu para se voltar a perceber que há várias opções. E os híbridos plug-in são uma delas, acreditando os presentes que haverá alterações nesta corrida aos eléctricos. «Os híbridos plug-in já estão a ganhar cada vez mais autonomia e agora é uma questão muito técnica, mas um plug-in com uma autonomia superior a 100 km, na realidade, vai ser um carro 100% eléctrico no dia-a-dia para quem precisa dessa autonomia».

Ao nível da fiscalização, consideram que há ainda um caminho a percorrer, mas tem sido muito difícil para a indústria fazer-se ouvir, sobretudo desde o “Dieselgate”. Não obstante, com o mercado de eléctricos praticamente flat e os indícios de que a indústria não vai conseguir cumprir as metas de descarbonização estabelecidas a nível europeu, pelo menos o sector recebeu recentemente uma boa notícia: a Comissão Europeia anunciou um mecanismo de f lexibilidade que permitirá aos fabricantes automóveis terem mais três anos para cumprir as metas de redução das emissões de CO₂. Na prática, o mecanismo implica ter em conta as emissões ao longo de três anos, de 2025 a 2027, em vez de apenas um ano. «Mas há aqui um lado pernicioso. Infelizmente, a percepção do público é que são as marcas que estão a criar um novo lobby, porque ganham muito mais dinheiro com os automóveis eléctricos. É uma falácia absoluta e é também um dos grandes desafios da indústria», consideram.

Que velocidade para 2025?

Quanto a perspectivas para 2025, os responsáveis ouvidos pela Marketeer não esperam que seja muito distinto em relação ao ano passado, com excepção de um possível maior impulso no mercado rent-a-car, dinamizado pelo crescimento do Turismo. Por outro lado, o segmento dos VCL (veículos comerciais ligeiros) está em quebra, o que poderá impactar a operação de algumas marcas com presença neste segmento. Mas, de um modo geral, as alterações não vão ser muito relevantes no mercado como um todo.

A verdade é que o mercado automóvel nacional está estagnado e ainda abaixo dos níveis pré-pandemia. A instabilidade política também não tem contribuído para a recuperação do sector, sendo que o mercado foi «claramente afectado» pela queda do Governo. E o impacto só não foi maior, porque cerca de 80% das vendas estão no segmento de empresas/frotas. «Se tivéssemos um mercado mais forte em B2C, ainda se sentiria mais a instabilidade», frisam.

De resto, o que se espera para o resto do ano é que a maioria das marcas continue com uma forte ofensiva de produto. O mercado permancerá muito dinâmico ao nível de lançamentos, seja de novos modelos (sobretudo eléctricos) ou de novas versões de modelos emblemáticos.

Texto redigido por: Daniel Almeida e Maria João Vieira Pinto.


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