Educação: Escola

Por Sara Rodi | Escritora e argumentista “Coisas de Pais”, “Coisas de Filhos” e “Por Uma Escola Diferente”

Na Grécia Antiga, berço da pedagogia, já se discutia o que devia ser ensinado para o correcto desenvolvimento do corpo e da mente, tendo como pano de fundo a integridade física, intelectual, ética e estética

Essa reflexão não punha, no entanto, em causa a importância da Arte (e nomeadamente da música) na formação integral. Não é por acaso que a música, a par da dança ou do teatro têm sido indissociáveis da evolução histórica, cultural, social e individual do ser humano. Têm acompanhado revoluções, sido o símbolo de nações ou de transformação de gerações por inspiração, como motor para a acção ou terapia. Também outros tipos de Arte o fizeram – como a pintura, o cinema ou a literatura, que me é tão cara –, mas foi a música e as artes cénicas que escolhi como palco para a minha nova colecção, a Escola das Artes, ou não tivessem estas também feito sempre parte da minha própria história e evolução pessoal. Cresci a rabiscar palavras para músicas e a musicar (ou a tentar) poemas, escrevi peças de teatro inspiradas em livros e momentos históricos, dancei conceitos e emoções… E, para mim, essa sempre foi uma óptima forma (a mais eficaz!) de trabalhar as matérias, aproveitando para me conhecer melhor e para trabalhar em equipa com aqueles que embarcavam comigo nessas aventuras. Não foi por acaso que o título escolhido para o primeiro livro desta colecção foi “A União Faz a Força”…

Estes são apenas quatro dos alunos desta Escola das Artes, que chamei de “especial” por outras razões. Nesta escola trabalha-se de forma interdisciplinar, através de projectos, e o principal objectivo do corpo docente é o de desenvolver competências nos seus alunos de forma a prepará-los para todo e qualquer palco da vida. Aos que estão mais atentos em  relação ao que se está a passar no ensino, actualmente, as palavras que destaquei são, certamente, familiares. Em Julho do ano passado foi homologado o “Perfil do Aluno para o Século XXI”, centrado no desenvolvimento de competências, e as escolas foram desafiadas a desenvolver projectos de flexibilização curricular em 25% do tempo lectivo, novidades que vão ao encontro daquilo que acredito há muito ser urgente transformar no nosso sistema de ensino. A “Escola das Artes” é só uma possibilidade de o fazer. Mas ainda há tanto por transformar…

Porquê transformar o ensino?

Ter quatro filhos muito diferentes – no feitio, nas reacções, nos sonhos, nas formas de lutar, na aprendizagem e na motivação – tem sido uma oportunidade fantástica para perceber que, aquilo que serve para um, não serve para outro. É assim na roupa, nos livros, nos programas de televisão, na forma como respondem ao que lhes digo ou faço, e também, naturalmente, na forma de aprender. Se um filho com um perfil mais intelectual até consegue ter boas notas sem esforço, outro, mais activo, que precisa de mexer e sentir, “desliga” em aulas de 90 minutos de teoria. Outro tem uma curiosidade enorme por temas que não são dados na escola e para os quais tem pouquíssimo tempo, porque a escola o “entope” de temas que não lhe interessam. E outra transpira arte: se pudesse, a escola era teatro, dança, música, desenho, de manhã à noite. Para quatro perfis tão diferentes, a escola dá uma única resposta, igual para todos: um modelo que pouco mudou desde o século XIX, centrado na aula expositiva, na memória e na avaliação competitiva. Ora, hoje conhecemos melhor os nossos mecanismos da atenção e qualquer bom orador tem isso em conta. Falar para uma plateia, durante 90 minutos, exige dinâmicas próprias, ou a mensagem não passa. Os nossos alunos estão sentados numa sala de aula durante seis horas, cinco dias por semana, em blocos, que às vezes são de 90 minutos, a ouvir matérias que a muitos tantas vezes não interessam (numa palestra espera-se que a plateia esteja minimamente motivada para o tema…).

Já a memória será, de todas as competências, talvez aquela que venha a ser menos precisa num futuro próximo, no qual teremos robôs com os quais não poderemos competir. A informação estará disponível (como já está hoje) em múltiplas plataformas, à distância de um clique. E o que precisamos mesmo, num mundo onde a guerra ainda é uma realidade em tantos países, e é visita regular de tantos bairros e casas, não é de competição, mas de cooperação. Não é de pressão a toda a hora, porque ela não só é contraproducente (prejudica a aprendizagem), como não dá saúde a ninguém. Como me dizia há dias um profissional ligado à Saúde Escolar, a escola neste momento não está a formar cidadãos, mas futuros pacientes de Psiquiatria!

Mas como transformar o ensino?

Na minha vida, este tema acabou por se tornar central, e sempre que posso ele é transportado para os meus livros e séries televisivas, ou não acreditasse eu que a ficção tem essa boa responsabilidade de alertar, inquietar e contribuir para a mudança. Através dela tenho ido a muitas escolas onde tenho oportunidade de conversar com professores e saber, no terreno, o que sentem os alunos, o que querem mudar e qual a razão.

A par da ficção, criei também, com outras sete mães, ligadas de diferentes formas à área da educação, o Movimento Por Uma Escola Diferente, que tem organizado debates entre pais e professores, ouvido os alunos, divulgando boas práticas e procurando sensibilizar para aquilo que pode ser a mudança (e que deve ser, tanto quanto possível, adaptada a cada contexto). Temos como ponto de partida a certeza de que o ensino vive do triângulo Alunos-Famílias-Professores/ Comunidade Educativa e que não é possível melhorar enquanto os três vértices deste triângulo não confiarem uns nos outros. Tanto quanto possível, este triângulo até devia ser um quadrado, envolvendo também toda a comunidade onde se insere a escola…

Assim, e primeiro que tudo, é preciso criar pontes de diálogo: os professores precisam de entender as dificuldades por que passam os pais no seu dia-a-dia, os pais precisam de perceber o difícil dia-a-dia de um professor, e todos têm necessariamente de olhar para a criança ou jovem que pretendem ajudar a crescer e a transformar num homem/mulher feliz e num bom cidadão, e têm de se questionar se estão afazer o necessário. E se não estão, falha a família, a escola, e também a comunidade e a sociedade como um todo, porque uma geração mal preparada (em competências e valores, a par do desempenho) compromete inevitavelmente o seu futuro. E não é que a Arte pode dar uma boa ajuda?

O papel da Arte no ensino

Hoje sabemos que, se uma experiência convocar vários dos nossos sentidos (visão, audição, tacto, olfacto, paladar), o nosso cérebro regista-a mais facilmente. Gera-se aprendizagem. Ora a Arte é, por excelência, multissensorial, daí que diversos estudos apontem no sentido de ela ter impactos muito positivos no desenvolvimento cognitivo. Participar activamente numa experiência artística permite ainda desenvolver o trabalho em equipa, trabalhar as emoções, o autocontrolo, a consciência do corpo, a desinibição, a atenção, o sentido crítico e a criatividade. Adiciona ainda a componente do prazer à aprendizagem, o que actualmente é uma enorme mais-valia. Uma criança ou jovem ansioso, triste ou revoltado, sente-se facilmente “bloqueado”. A neurociência explica: perante sentimentos adversos, o nosso cérebro entra em modo de alerta máximo, limitando as funções cognitivas. Alguém que esteja a fugir de um leão, por exemplo, estará em condições de debitar a tabuada? Um teste não é um “leão”, mas para o cérebro de uma criança pode desencadear o mesmo tipo de mecanismos de defesa…

Dançar, cantar, ouvir música, ver um espectáculo, ou fazer jogos de expressão dramática, ajudam a relaxar e tornam a aprendizagem mais divertida. Transformam a escola num espaço mais lúdico e feliz. Um espaço onde se aprende mais e melhor, e se chega a casa com vontade de regressar no dia seguinte. Não é isto o que todos nós desejamos para os nossos filhos?

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº4 de Junho de 2018.

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