Dos camaleões ou os Zeligs da publicidade

Um destes dias um amigo publicitário espanhol com vontade de se mudar para Portugal dizia-me sinceramente entusiasmado: “Quero descobrir qual é a essência da publicidade portuguesa, o que a distingue e torna única.” Se estivéssemos num filme de Hollywood teria havido uma pausa na acção, um freeze congelava-nos aos dois e o tempo ficaria suspenso; suspensa ficaria também a música e com um efeito de CGI entrávamos em flash back nas minhas memórias de longo prazo para mostrar aos espectadores uma breve história da publicidade portuguesa, em busca daqueles momentos que constroem uma identidade.

Quais são os traços da personalidade nacional que marcam claramente a nossa publicidade? Humor negro como os xailes das mulheres da Nazaré? Um poder narrativo comovente? Um sabor de cultura local em cada anúncio? O nonsense? O racionalismo? O que nos torna nós? Os brasileiros têm o coloquialismo e aquele retratar da vida de forma verdadeira, os nórdicos têm um sentido de humor muito próprio, muito nonsense, os ingleses têm a sua wit, aquele humor inteligente próximo do sarcasmo; os americanos a capacidade de contar histórias e comover as pedras da calçada.

Os japoneses… têm as assinaturas cantadas. E mesmo que boas campanhas de todos os estilos e tons possam ser encontrados em qualquer um destes países, conseguimos sempre identificar um traço que os distingue. E nós?

Voltando à acção, eu olho meio estupefacta para o meu amigo e digo lentamente “não te sei dizer”. Nós temos a tendência para sermos o me too dos estilos.

Está a ter sucesso um estilo de comunicação que ganha prémios e toda a gente partilha? Nós vamos fazer igual. Ou parecido, seja. Lembram-se do Zelig, aquela personagem do Woody Allen que assumia a forma física e a cultura das pessoas que o rodeavam?

A personalidade portuguesa é mais ou menos assim. Camaleónica mas não num bom sentido. Quando vista à distância e não pontualmente, é quase possível identificar que países estavam a ser o modelo em determinada época. Claro que pode sempre argumentar-se que isto acontece em todo o lado e que as marcas é que devem ter uma identidade e não a comunicação em si. Verdade, mas irrita-me que venha um espanhol, ainda que meu amigo, dizer que quer descobrir a nossa essência. Então não éramos nós os Descobridores?

Texto Judite Mota

Fotografia  Paulo Alexandrino

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