Desmistifiquemos a depressão pós-parto | Reaprender a viver

Entrevista a Diogo Telles Correia| Psiquiatra, psicoterapeuta e docente na Faculdade de Medicina de Lisboa

Por Sandra M. Pinto

Ansiedade, tristeza e falta vontade são sintomas que, muitas vezes, indiciam uma situação que atemoriza uma percentagem grande de mulheres, que é a depressão pós-parto

Depois de nove meses de gravidez, a mulher encara uma nova vida preenchida pelo nascimento do filho. Mas algumas não encaram o acontecimento, que devia ser feliz, com tranquilidade, apresentando, pelo contrário, sintomas depressivos. Para percebermos melhor a depressão pós-parto, falámos com o psiquiatra e psicoterapeuta Diogo Telles Correia.

Para conseguirmos enquadrar o tema, de que forma podemos esquematizar os sentimentos da mulher antes, durante e depois da gravidez?

No período da gravidez há uma série de alterações, tanto no âmbito fisiológico (alterações corporais, hormonais) como também familiar (as atenções centram-se na criança e deixam de se centrar no casal, por exemplo), que levam a que seja um período de difícil adaptação para a mulher, podendo surgir dificuldades neste período, que podem levar, nalguns casos, a que surjam perturbações do foro mental.

Tudo isso está intimamente relacionado com as alterações hormonais que ocorrem nessa altura, certo?

As alterações hormonais podem por si só ter influência nas emoções e no  comportamento da mulher, que pode ficar mais frágil e vulnerável ao surgimento de perturbações psiquiátricas.

O que é a depressão pós-parto e como pode a mulher e os que a rodeiam perceber que ela está com essa patologia?

Na depressão pós-parto as manifestações típicas são a tristeza desproporcional, a falta de vontade e de prazer pelas actividades que eram prazerosas antes, dificuldades em dormir, falta ou excesso de apetite, entre outros. Manifestações, estas, que surgem no período pós-parto.

Podemos apelidá-la de doença mental?

É uma doença mental no sentido de ser uma alteração das emoções e comportamentos, que provoca um sofrimento e disfunção na mãe, suficientes para que esta sinta necessidade de obter um tratamento para aliviar os seus sintomas.

Mas existe alguma predisposição, ou todas as mulheres vão ser afectadas por este problema?

Todas as perturbações mentais surgem de uma interacção entre o que herdámos dos nossos pais com aquilo que vamos vivenciando no dia-a-dia. Assim, também a depressão pós-parto depende de uma predisposição genética, mas poderá ser igualmente de factores traumáticos indutores de stress – que poderão ocorrer na própria gravidez ou pós-parto, ou até antes, ao longo da vida da mulher.

Quanto tempo após o nascimento do bebé acontece a depressão pós-parto?

Costuma ocorrer ao longo das primeiras semanas pós-parto.

Qual o tratamento? Há o senso comum de se afirmar que as mulheres grávidas ou puérperas não poderem tomar medicamentos psiquiátricos. É mesmo assim?

É fundamental que as mulheres com depressão durante a gravidez ou no período pós-parto sejam tratadas. Na grande maioria dos casos é necessário medicação que, quando prescrita por um especialista, é muito segura na gravidez (para o bebé) e no pós-parto (no aleitamento).

Muitas mulheres devem estar a fazer esta pergunta: o que posso fazer para superar a depressão pós-parto?

A depressão pós-parto é uma situação que geralmente precisa de apoio psiquiátrico especializado, nomeadamente por um médico psiquiatra.

Existe alguma forma de prevenir a depressão pós-parto?

Não existem formas de prevenir com 100% de eficácia a depressão pós-parto. O apoio psicológico pode ser útil nos casos em que se percebe que está a haver uma dificuldade de adaptação da mãe ao processo. Por outro lado, quando surgem os primeiros sinais de depressão, é muito importante que esta seja tratada com precocidade.

A melancolia da maternidade ou baby blues é diferente da depressão pós-parto? Se sim, em que diferem?

O baby blues é diferente da depressão. É uma sensação de tristeza e ansiedade transitória e sem grande intensidade, que não necessita de tratamento geralmente e dura apenas 2-3 semanas após o nascimento do bebé.

Que outras perturbações psiquiátricas existem na gravidez e no pós-parto?

As perturbações de ansiedade são também importantes durante e após a gravidez e devem ser tratadas. A situação mais grave é a psicose pós-parto, uma perturbação em que a mãe fica muitíssimo agitada, foge da realidade, diz coisas sem sentido (ideias delirantes); é uma emergência psiquiátrica.

De que forma a depressão pós-parto pode afectar a vida familiar?

A depressão pode afectar a forma como a mãe reage ao nascimento e crescimento do filho, bem como aos outros membros da família, nomeadamente, o pai (figura também essencial nesta fase). As mães deprimidas deixam de cumprir as suas obrigações de mãe e de mulheres.

Qual o papel e ajuda que podem dar os que rodeiam a mulher no intuito de melhorar a situação?

O que é fundamental é que, quando presenciarem os primeiros sinais e sintomas de depressão ou ansiedade graves, ajudarem a mãe a obter ajuda psiquiátrica especializada.

Qual a importância do apoio psicológico durante a gravidez e no pós-parto?

O apoio psicológico pode ocorrer quando são visíveis dificuldades de adaptação da mãe ao estado de gravidez ou ao período pós-parto. Pode evitar, nalguns casos, o surgimento de perturbações psiquiátricas mais graves.

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

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