Conversão vs. construção de marca

Texto: Pedro Pires

CEO/CCO Solid Dogma | Presidente do CCP

Há hoje muito boa gente a acreditar que realmente sabe para onde estão a ir os 100% do valor dos investimento que fazem nas marcas. Isto porque os investem quase exclusivamente em processos de conversão.

Esta é a era da exactidão. Do tiro certeiro, da geolocalização e do micro targeting. Hoje não há palavra que não seja eficiente e imagem que não valha cada pixel.

Então por que é que anda tanta marca baralhada? Se calhar, não é verdade.

Temos que entrar na era da honestidade. E isso é o quê?

Outra pós-verdade? Não. Esse é o momento em que as marcas percebem que são realmente mais parecidas com as pessoas do que realmente se pensa. Ou seja, não vale a pena fingir que são uma coisa que não são. Isto porque se calhar as marcas são geridas por pessoas e não é ainda um algoritmo que toma as decisões por elas. Ou será que não? Ou será que agora o que realmente dirige as marcas é uma datasheet de índices em tempo real que dispara ordens de veiculação e gera “criatividades” que correspondem exactamente à matriz necessária para o sucesso? Isto eu sei que há quem acredite e que deseje que seja mesmo assim. Para que depois se possam ocupar de coisas verdadeiramente importantes, porque isto da criatividade consome tempo e baralha tudo. Sei também que há quem muito sofra com essa pressão, e aqui incluem-se directores de marca, marketing e, claro, criativos.

Mas afinal o que importa é a precisão ou os posts do Buzzfeed, do FB, dos Insta dos adolescentes da família ou qualquer outro observatório de trending, micro trending, fast trending (caso para perguntar: qual a velocidade que deve ter uma notícia/ideia/trend até que seja plausível duvidar-se da sua existência?).

Em quem devemos nós acreditar? No buzz ou no algoritmo? Ou será que eles estão secretamente aliados numa conspiração?

A discussão, entre o investimento (assumido como exacto e mensurável) directo naquilo que é a conversão e o chamado investimento nesse poço sem fundo, que é a chamada criatividade e imagem de marca, está novamente ao rubro.

Não que eu perceba porquê. Nem o que realmente mudou para que exista sequer uma visão tão maniqueísta da realidade. Esta é a mais velha discussão do mundo da publicidade e que reapareceu como se fosse nova. Poderá ser mais precisa mas não é nova. O que mudou realmente com a precisão neste mundo digitalmente ligado? Na minha opinião nada, naquilo que concerne ao papel da criatividade e a necessidade das marcas se construírem em cima de conceitos coerentes, consistentes, originais e personalizados que produzam factores de diferenciação. Tão simples e complexo como isto.

Pelo contrário, se a competição aumenta, não será a luta pelo click imediato a um qualquer mecanismo de conversão que irá obliterar o facto que a imagem, notoriedade e relação que se tem com uma marca tem influência decisiva nesse processo de compra. Os factores que influenciam a compra, embora num contexto de tempo e espaço distinto, estão directamente ligados aos mesmos que enfrentamos quando estamos na frente de um linear de supermercado (seja ele popular ou premium): qualidade, preço e promoção, comparação, add ons e obviamente imagem de marca.

A esta voracidade de conversão alia-se um outro inimigo – que é a velocidade com que se destroem boas ideias, porque existe a tentação de as espremer o mais depressa possível e de não perder nenhum trend, tenha ele relação ou não com a actividade da marca, seja ele ou não credível com aquilo que percebemos dela.

E isso dá-se na associação à música, à arte, à responsabilidade social, ao desporto e mesmo à ideologia social e política e a muitas outras manifestações que se acreditam ser o atalho mais rápido para a conversão. O problema é que estas opções, para funcionarem, exigem normalmente o caminho mais longo.

Numa época em que as buzzwords são old news, qualquer marca que as use é porque está irremediavelmente atrasada, ou porque a sua comunicação é dominada pelo medo que a criatividade cresça ao ponto de tornar o negócio ingovernável.

Mas afinal o que é isso da era da honestidade? É a era em que as marcas deixam de tentar apanhar todos os comboios que passam, só por medo de não chegar aonde ainda não sabem se querem ir. E onde param de ser literais na interpretação do que é o seu papel no mundo e de como contribuir claramente para a comunidade e a sociedade com aquilo que produzem e com o que veiculam. (A este propósito convém ler isto: https://www. creativereview.co.uk/end-brand-purpose/)

Deixo um exemplo do que mais me tocou enquanto ideia/iniciativa este ano nos Grand Prix de Cannes. Claro que acho incrível um projecto como Fearless Girl, mas todo o seu impacto era previsível no plano do PR – mesmo a revolta do artista do Charging Bull seria óbvia. É brilhante em muitos aspectos mas a minha escolha recai sobre o Grande Prémio de Design, The Unusual Football Field que, na minha opinião, reúne tudo aquilo que uma ideia para a nossa era deve conter:

. próxima do core da actividade – sem falsas associações de conteúdo;

. efectiva na materialização e no potencial de implementação e de impacto na comunidade;

. genuína no discurso e honesta na associação ao projecto;

. sem falsas ideologias;

. de interesse público;

. de médio longo prazo.

Este é o tipo de local onde gosto de jogar à bola.

Artigo publicado na edição n.º 252, de Julho de 2017, da revista Marketeer.
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