A mudança está a acontecer e de nada serve tentar parar o vento com as mãos. A frase, repetida diversas vezes ao longo da Conferência da Marketeer, parece ter sido, também, interiorizada pelos participantes na mesa-redonda que se debruçou no tema “Desafios da Incerteza”. Ao longo da conversa ficou claro que acreditam que há que abraçar, sem medos, as ferramentas que estão à disposição dos marketeers.
«O marketing do futuro será mais assertivo. Terá sempre o cliente no centro – como tem hoje e como deve ter – e os dados vão permitir-nos conhecer melhor os nossos diferentes clientes e segmentos», começa por opinar Joana Pedroso, Marketing director Portugal da BP, salientando que não vê a automação e a centricidade do cliente como mutuamente exclusivas. Com o conhecimento que os dados permitem «vamos conseguir comunicar de forma mais personalizada e direccionada. Além disso, os automatismos e as tecnologias vão permitir ter campanhas que sejam mais time e cost effective ». Aos marketeers caberá perceber o que podem passar à IA e o que faz sentido manterem em si.
«Temos de pôr a IA a trabalhar para nós, usá-la para extrair o que as nossas pessoas e a organizações têm de melhor. Usá-la para nos conseguirmos libertar de algumas tarefas que nos ocupam muito tempo, mas que podem ser automatizadas sem perdas de qualidade na entrega do trabalho. Optimizar tempo e custos para nos focarmos onde podemos aportar e acrescentar valor. É usar, experimentar e perceber o que funciona para nós, as nossas marcas e as nossas equipas.» Mas há mudanças na profissão de marketeer, claro! «O marketeer tem de ser capaz de analisar dados, ser analítico e ter sentido crítico nessa análise, mas ao mesmo tempo ter a capacidade de se colocar no papel do consumidor, ter empatia», sublinha, por seu lado, Catarina Barradas, head of Global Brand da EDP.
Além disso, acrescenta, tem de ter a capacidade de criar marcas que sejam diferenciadoras, porque cada marketeer é único, tem a sua experiência de vida, os seus traumas e os seus sucessos. «Isso é que nos vai diferenciar no futuro», assegura, salientando ainda assim que o marketeer tem de ser uma pessoa ágil, curiosa, versátil e estar sempre a aprender com o que está a acontecer. «Não vai ser muito diferente do que somos hoje em dia. Temos de saber usar a tecnologia, cada vez mais, cada vez melhor e fazer as perguntas certas. A tecnologia tem mudado muito e rapidamente, mas temos de ser mais ágeis a adoptá-la. Work smarter, not harder », defende.
Acredita também que vai-lhes ser exigida mais estratégia e um pensamento mais profundo sobre as marcas de maneira a saírem do que é rotineiro e irem buscar o que as diferencia realmente, trabalho que poderá ser coadjuvado pelas ferramentas, nomeadamente as de IA. Daí que não seja de estranhar a proliferação que há hoje de cursos de IA para aumentar a eficácia e produtividade destes profissionais. «É necessário um reskilling da profissão », diz Joana Pedroso que, ainda assim, acredita que daqui a alguns anos essas competências técnicas serão básicas de qualquer marketeer. E reforça, indo ao encontro do que defende a sua parceira de painel, aquilo que vai diferenciar um bom profissional de um excelente serão as características que não serão dadas pela IA nem pelas novas tecnologias. «Será a inteligência emocional, o pensamento crítico, a capacidade de perceber que dados usar e quais descartar. Isso ficará em nós e não passará para a IA.»
Mas não há como negar o que Catarina Barradas assume: «A GenAI é uma ferramenta poderosíssima que nos vai acelerar a capacidade de decisão, dar mais dados para decidir.» E obrigar a que o responsável da marca se rodeie de uma equipa com várias competências diferentes. Lembrando que os marketeers são paradoxais – «temos uma obsessão em relação a saber o futuro, mas depois temos pânico como aconteceu com a televisão, a internet e as redes sociais» –, José Borralho, CIO da Escolha do Consumidor, reforça que a IA é só mais uma ferramenta de trabalho. E reforça: «Nunca poderemos deixar de ser humanos. A grande revolução não é tecnológica. É emocional.»
MUDANÇA NAS MARCAS
«As marcas vão fazer pela primeira vez uma reinvenção estratégica. Temos de comunicar menos para vender e mais para pertencer», comenta José Borralho. E explica que durante décadas ganhava quem falasse mais alto, mais vezes e em mais canais. Hoje, o consumidor mudou. «Vivemos numa economia de atenção saturada com milhares de estímulos diários. E, por isso, começamos a fazer um bloqueio selectivo, bloqueando o que nos soa a ruído e a promessas.» E esta é uma realidade a que as marcas, até há bem pouco tempo, não estavam habituadas. O profissional sublinha que hoje o consumidor sente a intenção de fazer qualquer coisa, mas depois não age. «Somos a favor da sustentabilidade, do comércio justo, dos produtos nacionais em intenção. Mas depois não resistimos ao impulso, ao preço e à conveniência.» Daí que acredite que o grande desafio para as marcas seja fazer escuta activa da vantagem competitiva real.
«Ao fazer escuta activa consigo criar produtos e serviços muito mais direccionados para aquilo que o consumidor quer.» As marcas terão ainda o desafio de fazer o consumidor agir em função daquilo que ele sente. Ao facilitar essa escolha com uma comunicação mais simples, intuitiva e emocionalmente coerente, a empresa consegue marcar uma posição. José Borralho lembra que nos seis grandes grupos de necessidades básicas humanas há de tudo: consumidores que querem certeza (só mudam quando têm a certeza de alguma coisa), que querem variedade, que querem significância (ser reconhecidos por algo), que querem conexão emocional, que querem crescer pessoalmente e que querem contribuir para o mundo. «Temos que usar estas necessidades (com os dados que hoje conseguimos perceber dos consumidores) para o sentimento de pertença de que estamos com eles.» Um trabalho de criação de valor e diferenciação que a EDP tem vindo a fazer ao longo de anos e que Catarina Barradas explicou: «Temos um propósito claro de liderar a transição energética, descarbonizar o planeta e temos uma assinatura que espelha o porquê: “escolhemos a Terra”.
Simplificamos a escolha do consumidor. Se a EDP escolhe a Terra, eu, consumidor, escolho a EDP. Fazemos o trabalho difícil da inovação e da descarbonização, trazendo soluções que criam valor para cada um. Preços competitivos, soluções tecnológicas que facilitam a vida no dia-a-dia. É aí que nos diferenciamos.» A par disso a EDP tem sido consistente com o seu propósito e quando conta as histórias «são verdadeiras». Tem o princípio de primeiro implementar e só depois contar. «Dá-nos credibilidade e verdade», assegura Catarina Barradas. Joana Pedroso junta-se ao tema lembrando que o foco não pode ser vender aqui e agora. Há que ver a longo prazo, sendo a missão da BP precisamente ser a escolha do consumidor aqui e no futuro. Cientes de que as escolhas que fazem agora têm impacto no futuro e na imagem, de cada vez que na BP têm uma iniciativa de marketing – uma acção, uma campanha – têm que garantir que contribui para o bem maior que é a imagem e percepção de marca. «Nunca podemos ter a visão redutora do aqui e agora.» Claro que também há objectivos comerciais e de negócio para cumprir e têm campanhas tácticas. «Mas estas campanhas servem um objectivo específico que é responder a uma necessidade do cliente», sublinha a responsável da BP, reforçando que não podem ser formuladas destruindo o valor da marca.
«Temos sempre de garantir construção e consistência de marca.» Até porque, acrescenta a responsável da EDP, não se converte nada se o cliente não conhecer a marca. «Tem de haver a construção da marca de forma consistente, porque de outra forma não se converte.» Razão pela qual quando está a elaborar os planos para o ano, explica Joana Pedroso, contempla os dois tipos de acções. «Não podemos olhar para elas isoladamente. Todas contribuem para algo e todas têm de estar debaixo de um chapéu maior que são os nossos valores de marca.» E há que não esquecer que os clientes não são todos iguais e que há que corresponder às suas necessidades com propostas que lhes sejam relevantes. Para um cliente da BP que faça muitos quilómetros semanais de auto-estrada, a oferta de um menu na cafetaria pode ser valorizada, ao passo que para um cliente com um automóvel clássico ou uma mota de colecção será mais importante acentuar a qualidade dos combustíveis. As mensagens têm de ser colocadas na óptica de qual é o benefício para o cliente.
CONSUMIDORES DO FUTURO
José Borralho identifica cinco perfis de consumidor do futuro: o consumidor híbrido e coerente – que vai viver entre o físico e o digital, mas exige consistência em ambos; o rápido mas exigente – quer rapidez, mas não quer perder qualidade (um exemplo são as plataformas de delivery onde queremos rapidez, mas não aceitamos embalagens danificadas e queixamo- nos se o atendimento é mau); o consciente mas contraditório – que defende um conjunto de princípios de intenção, mas depois não age em conformidade indo atrás do desconto; o saturado mas indeciso – tem muitos estímulos, mas tem dificuldade em escolher (segundo um estudo da Nielsen, 40% sentem ansiedade no momento da compra, em particular no online); e o funcional e identitário – compra causas, compra pertença, não compra produtos (as marcas que aí estão a ter alguma vantagem são as que comunicam estilos de vida). «O consumidor pode não ser tão fiel à marca, mas é-o à coerência que a marca tem com aquilo que ele acredita.»













