Por André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing, autor dos livros “Digital Marketing Analytics”, “Marketing Mindset”, “Marketing Governance” e co-autor de “Marketing Futureland”
O tema da inovação tornou-se um mantra omnipresente nos discursos empresariais, académicos e políticos. Nenhuma conferência, plano estratégico ou narrativa de liderança deixa de invocá-la como motor de competitividade. Contudo, a distância entre retórica e prática permanece longa e desconcertante.
Nas duas últimas décadas, sucederam-se várias ondas de transformação: da digitalização às redes sociais, do big data ao blockchain, dos NFTs ao metaverso e, mais recentemente, à IA generativa multimodal. A adopção destas tecnologias, em investimento, comunicação e expectativa, acelerou de onda para onda. Porém, o seu impacto económico e social tangível continua lento e irregular, com a história a repetir-se: anúncios, promessas e narrativas chegam primeiro, mas a verdadeira criação de valor tarda em chegar.
Enquanto isso, o tempo não pára, obrigando as empresas a enfrentarem o paradoxo central da inovação contemporânea: gerir o que já perdeu valor, ao mesmo tempo que constroem a próxima fronteira de crescimento. É precisamente neste dilema que a noção de ambidestria organizacional tem vindo a conquistar relevância estratégica: a capacidade de gerir a obsolescência do presente e, simultaneamente, explorar oportunidades do futuro tornou-se crítica para operar em mercados hipercompetitivos e tecnologicamente voláteis.
Ambidestria organizacional: Fundamentos e relevância para o Marketing
A essência deste conceito (O’Reilly & Tushman, 2004) descreve a aptidão das organizações para duas tarefas que parecem opostas (exploit e explore), mas são complementares:
- Potenciar (exploit) o core business: optimizando, garantindo eficiência, disciplina e retorno no presente, extraindo valor do que já existe;
- Explorar (explore) novas tecnologias, modelos e mercados: assumindo riscos, experimentando e fomentando aprendizagem, na procura efectiva do novo.
A evidência mostra que a ambidestria, seja em marketing ou na organização como um todo, gera resultados consistentes quando apoiada numa elevada “absorptive capacity”: um verdadeiro “músculo adaptativo” que reconhece valor em dados e sinais do mercado, assimila e transforma esse conhecimento em produtos, serviços, processos ou experiências.
Estudos indicam que, no marketing, esta capacidade impulsiona o crescimento das vendas (Ho et al., 2020), enquanto, na perspectiva organizacional, promove flexibilidade estratégica e adaptação a disrupções (Kafetzopoulos et al., 2023). Sem estas competências, as empresas ficam presas ao exploit, prolongando práticas obsoletas e reagindo tarde às novas mudanças.
As sucessivas vagas tecnológicas ampliaram esta tensão: aceleram a descoberta do novo, mas tornam a obsolescência estrutural. O que ontem era vantagem competitiva (canal, processo ou narrativa) rapidamente perde tração à medida que algoritmos, audiências e práticas evoluem. Sob pressão por resultados imediatos, as equipas de marketing ficam presas ao imperativo do presente e raramente dispõem de tempo e disciplina para identificar o que entrou em curva descendente e deveria ser descontinuado, perpetuando custos ocultos e atrasando a capacidade de renovação.
Sem capacidade de absorção, cada nova vaga surge apenas como moda ou pressão externa. As empresas que não aprendem tornam-se dependentes de um core business envelhecido e vulneráveis à obsolescência, enquanto aquelas que desenvolvem o seu “músculo adaptativo” renovam continuamente a sua proposta ao mercado.
O desafio cultural: da “inovação-teatro” à inovação vivida
Este desafio não é apenas tecnológico; é também cultural e sistémico, reflectindo a forma como a inovação é assumida no dia-a dia-das equipas:
- Inovação-teatro: criação de laboratórios vistosos, campanhas “futuristas” e demonstrações mediáticas que geram notoriedade e manchetes, mas pouco alteram a prática quotidiana ou a performance real;
- Inovação vivida: enraizada nas equipas e nos fluxos de trabalho, manifesta-se em consistentes melhorias incrementais, ciclos de experimentação, escuta activa do cliente, e partilha de falhas e boas práticas que alimentam decisões e sistemas.
A transição requer liderança exigente, incentivos que recompensem aprendizagem, evidências e a boa execução, num compromisso com disciplina e consistência, sem as quais, qualquer tecnologia ou ferramenta apenas acelera a “inovação-teatro”.
A ambidestria potenciada pela tecnologia: Gerir a obsolescência com inovação
Quando estruturadas correctamente, as tecnologias emergentes ampliam a capacidade das organizações actuarem de forma ambidestra, permitindo aos líderes e equipas olharem em duas frentes alinhadas:
- Preservar, melhorar e escalar o que ainda cria valor hoje, questionando práticas que persistem apenas porque “sempre funcionaram”;
- Explorar, testar e aprender com o que poderá criar valor amanhã, reconhecendo que não há verdadeira “estratégia” sem futuro incorporado na sua equação.
Equipas que desenvolvem ambidestria nos seus talentos reforçam a auto-capacitação, assumindo funções mais abrangentes, eficientes e criativas, idealizando soluções que não são meramente reprodutivas, mas verdadeiramente inovadoras e transformadoras. Potenciar a ambidestria é a chave para passar de um modelo de “trabalho assistido pela máquina” para o paradigma “human-augmented”, no qual as equipas ampliam no terreno a sua força de reinvenção e impacto.
Gerir a obsolescência com inovação não é uma escolha entre passado e futuro, mas construir uma ponte de excelência entre ambos, equilibrando sustentabilidade e mudança.














