A tecnologia enquanto chave para melhorar a qualidade de vida e a sustentabilidade dos sistemas de saúde

Por Ana Pina, directora de Digital Health na Future Healthcare

Ao longo das últimas duas décadas, a tecnologia tem vindo a alterar radicalmente o panorama dos cuidados de saúde na sociedade, proporcionando, em muitos casos, melhorias significativas para os pacientes. Os avanços consistentes que temos observado, seja através de novas técnicas de tratamento, de novos produtos farmacêuticos ou até mesmo de novas ferramentas de diagnóstico, já salvaram milhões de vidas e melhoraram muitas outras.

No entanto, actualmente, uma percentagem considerável da população ainda vive com uma doença crónica. Segundo dados do INE, em 2021, cerca de 44% da população residente em Portugal com mais de 16 anos referiu ter alguma doença crónica ou problema de saúde prolongado.

A tecnologia aplicada à saúde é cada vez mais comum em hospitais, clínicas médicas e consultórios que apostam na utilização de recursos tecnológicos para optimizar a sua actividade no dia-a-dia. Contudo, os modelos e forma de pagamento dos cuidados que temos actualmente nos sistemas de saúde foram concebidos há muito. São principalmente focados em situações clínicas agudas ou em doenças crónicas para as quais o conhecimento acerca das causas e evolução não era o que temos hoje. Para muitas situações, este modelo já não se ajusta à necessidade actual das sociedades. Hoje, as doenças que derivam de estilos de vida errados têm um impacto elevadíssimo nas pessoas, famílias e sociedade.

Face a esta realidade, é fundamental que se altere o modo como abordamos as pessoas e se definam modelos mais efectivos no contexto actual. Estes modelos devem ter uma visão holística e ser centrados na pessoa. Devem ser proactivos, fazendo um acompanhamento com as valências necessárias em cada momento, através de intervenções mais frequentes e curtas que suportem a gestão de mudança.

O estilo de vida saudável não é uma questão de “bem-estar”, como se fosse algo a mais, superficial. Não existe saúde sem bem-estar. Por exemplo: o sedentarismo, o stress, a nutrição errada são base de condições como hipertensão, dislipidemia, obesidade e hiperglicemia. Sendo que todas estas contribuem para as chamadas doenças não comunicáveis, como o cancro, diabetes e doenças cardiovasculares e respiratórias crónicas, entre outras. No final do dia, representam dois terços de todas as mortes antes dos 70 anos, na região europeia da OMS, e mil milhões de euros, segundo o Relatório Europeu da Saúde 2021. Não só a sua prevalência é elevadíssima, como um considerável número de pessoas desconhece que tem estas condições.

É perante este contexto que a tecnologia se pode tornar um enorme aliado para os sistemas de saúde, na optimização de processos, integrando os cuidados prestados presencialmente e os cuidados prestados na saúde digital em diversas vertentes.

A telemedicina, por exemplo, tenta replicar a consulta presencial através de telefone ou de vídeo, com as limitações correspondentes. Sendo que, neste aspecto, de uma forma mais massificada, está ainda a dar os seus primeiros passos. Mas a tecnologia disponível ou em vias de o estar, permite-nos muito mais. Possibilita-nos capacitar a vídeo-consulta de ferramentas que permitem a realização de um exame físico mais completo, incrementando as situações que podem ser resolvidas por esta via.

Porém, a saúde digital é muito mais do que tele ou vídeo-consulta. Abrange também a utilização de dispositivos médicos, alguns na forma de wearables. Fazendo uso de todas as ferramentas disponíveis, podemos dar um passo em frente, desenhar modelos clínicos adequados a situações tão impactantes como as doenças não comunicáveis e os seus factores de risco, servirmo-nos da tecnologia para os implementar, de modo fácil e intuitivo, para as pessoas e equipas médicas que as servem.

No seu conjunto, a capacitação da vídeo-consulta para resolver situações clínicas à distância – principalmente de pessoas que têm de viajar quilómetros para ter acesso às mesmas -, a utilização e integração de ferramentas tecnológicas para automatizar processos com aumento da sua eficiência, para suportar modelos clínicos de acompanhamento que necessitam de interacções frequentes, podem contribuir para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Este ecossistema permitirá entregar cuidados de modo proactivo, melhorar a saúde e a qualidade de vida da população a custos potencialmente mais baixos.

Contudo, este é um enorme desafio. Implica promovermos a literacia da saúde e tecnológica, acautelarmos a integração da tecnologia, a segurança e interoperabilidade dos dados clínicos, a mudança dos vários players e em vários campos – desde os clientes, passando pelos clínicos, às entidades pagadoras de cuidados.

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