A máquina do tempo

São 13h20. A consulta no dentista é às 13h30. Nos tempos que correm, levar o carro para o Chiado é pior do que arrancar um siso, por isso salto para dentro de um táxi – mentira, entro lentamente dentro de um táxi, rezando aos anjinhos para que não cheire muito mal. Não cheira, mas assim que abro a porta é como entrar na Feira Popular algures nos anos 60. A Rádio Amália está a bombar um fadinho num nível de decibéis de levar à inconsciência e a única coisa que me tranquiliza é que, quando entro, o motorista baixa ligeiramente o volume de som, logo, deduzo que ele não é surdo de todo e que se calhar não era preciso eu ter gritado “para a Rua Garrett, por favor”. O taxista, que gosta muito, muito de fados, é simpático e começa a discutir consigo mesmo qual é a melhor maneira de chegar à esquina da Rua Garrett com a Rua do Carmo, enquanto olha para mim pelo retrovisor. Já eu, vou acenando que sim, tanto faz, o que ele achar melhor – pensando que, falando eu português, ele não me levará via Av. dos EUA. Lá consigo perceber entre dois acordes de guitarra e de viola que me vai deixar algures e que depois é sempre a descer. Suponho que esteja a referir-se ao Chiado e aceno que sim, sem me importar com as hordas de turistas que vou ter de fintar enquanto arrisco uma queda grave na calçada gasta para tentar estar à 13h35/13h40 vá, no consultório. Mais tranquila, com todas as decisões tomadas até agora, mais por ele do que por mim, decido entregar-me à Rádio Amália e percebo que está a dar um programa de fados pedidos e que, tal como há muito, muito tempo atrás, as pessoas ligam para a rádio, dizem uma frase publicitária e pedem uma música que podem ainda dedicar a amigos e conhecidos como dantes. “Diga a frase por favor” ou “Posso dizer a frase” antecedem um slogan, uma assinatura ou um USP qualquer como há décadas atrás. Marketing do século XX em pleno século XXI. Muito retro.

Repetir uma frase publicitária para ter uma coisa que se quer – neste caso um faduncho, parece uma coisa meio fora do tempo, num tempo em que todos anseiam pelo novo, pelo saiu agora mesmo e eu já partilhei, pelo onde está a próxima coisa que ainda ninguém fez, que ainda ninguém viu. E, no entanto, algures no espectro das ondas hertzianas aos 92,0 Mhz, há ouvintes que repetem frases publicitárias a troco de uma música, fazendo share com uns amigos especiais a quem a dedicam e também com todos os incautos que entram num táxi para ir do ponto A ao ponto B sem terem voto na matéria da música que se ouve no veículo. E que, para todos os efeitos, ouvem também a tal frase publicitária o número de vezes que a distância do percurso obrigar.

O que me leva a constatar que esta ideia antiga já tinha shareability, que a media já era social muito antes das redes e que, das Amoreiras ao Chiado, fiz uma viagem no tempo. Agora só resta saber: foi para trás ou foi para a frente?

Texto: Judite Mota
Directora criativa Young & Rubicam Redcell
Artigo publicado na edição n.º 251, de Junho de 2017, da revista Marketeer.
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